Introdução
Cássio Gama Amaral |
A figura do agente como intermediário das operações de seguro não é uma tradição brasileira, tendo em vista, dentre outras razões, a histórica lacuna normativa sobre o tema e a relativa incipiência do nosso mercado. Entretanto, em praças internacionais mais desenvolvidas, o agente de seguros (agent generale d’assurance, general agent, etc.) representa uma realidade de importância fundamental para o seu crescimento e capilaridade, conforme comentaremos no tópico III deste artigo.
No Brasil, tal figura veio a lume quando da promulgação da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Novo Código Civil), o qual, em seu artigo 775, a ela apenas tangencialmente se refere ao estabelecer que “os agentes autorizados do segurador presumem-se seus representantes para todos os atos relativos aos contratos que agenciarem”.
O mercado segurador recebeu tal dispositivo legal com certa perplexidade, porquanto descolado da sua tradição e realidade, mas consciente de que não se poderia desprezá-lo, porquanto não existem palavras supérfluas na lei, ou seja, os aplicadores do direito (incluindo os órgãos reguladores e fiscalizadores) passaram a se preocupar em dar utilidade ao artigo 775 do Código Civil, reconhecendo a existência do agente de seguro como um intermediário de operações securitárias, ao lado do corretor de seguros.
Embora seja forçoso considerar que o artigo 775 seja de aplicação imediata, sendo desnecessária a sua regulamentação infralegal, é certo que o mercado segurador nunca se sentiu à vontade para colocar em prática a estratégia de comercialização de seguros por meio de agentes, não obstante algumas iniciativas inovadoras em sentido contrário.
Assim, instada principalmente pelos recorrentes problemas envolvendo a comercialização de seguros por redes varejistas, a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) colocou em consulta pública, no dia 17 de junho de 2013, dentre outras normas, a minuta de resolução sobre “a atuação do representante, pessoa jurídica, das sociedades seguradoras, denominado agente de seguros”, na qual se previu certas regras e restrições que podem colidir com princípios constitucionais e legais, conforme veremos linhas abaixo.
I. A Comercialização de Seguros no Brasil
A Lei nº 4.594, de 29 de dezembro de 1964, a qual regula a atividade do corretor de seguros, em seu artigo 18[1], dispõe que as sociedades de seguros só poderão receber proposta de contrato de seguros (i) por intermédio de corretor de seguros devidamente habilitado ou (ii) diretamente dos proponentes ou seus legítimos representantes.
Assim, tem-se que o proponente é livre para escolher realizar a contratação de seguro por meio de um intermediário legalmente habilitado, o qual, dentre outras funções, se encarregará de aproximá-lo das seguradoras e o auxiliará na aquisição do melhor produto vis-à-vis a sua estratégia de transferência de risco.
De outra parte, poderá o proponente, diretamente, entrar em contato com prepostos das seguradoras ou ser alvo de prospecção ativa delas para contratação de produtos securitários. Neste caso, conforme preceitua o artigo 19 da Lei nº 4.594/64, a importância habitualmente paga a título de comissão será recolhida ao Fundo de Desenvolvimento Educacional do Seguro, administrado pela Fundação Escola Nacional de Seguros – FUNENSEG.
E não poderia ser diferente, já que não faria sentido a lei obrigar fosse o contrato de seguro sempre celebrado com a interferência de um intermediário, haja vista que, pelo princípio maior da liberdade contratual, ninguém é obrigado a contratar contra sua vontade. Além disso, a imposição do intermediário nas operações de seguro inviabilizaria o desenvolvimento de um setor extremamente dinâmico e capilarizado.
Ao se relacionar diretamente com o proponente, na contratação de seguro, e/ou com o segurado, na execução do contrato, a seguradora poderá se fazer representar por qualquer uma das formas legalmente permitidas, ou seja, por meio de empregados contratados com exclusividade, subordinação e dependência sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho, por diretores estatutários a ela vinculados por contrato de prestação de serviço ou por meio de um agente de seguros independente, a ela juridicamente vinculado por um contrato de agência ou representação.
II. O Corretor de Seguros
Antes de avançarmos na definição dos contornos do contrato de agência aplicado na contratação de seguros e avaliar criticamente a minuta da norma posta em consulta pública pela SUSEP, importa situar o corretor de seguros na sua importante atividade de intermediação.
A corretagem de seguro é uma subespécie de contrato de corretagem, o qual é regulado, genericamente, pelos artigos 722 a 729 do Código Civil Brasileiro e, especialmente, pela (i) Lei nº 4.594, de 29 de dezembro de 1964[2]; (ii) pelo Decreto nº 56.903, de 24 de setembro de 1965, que regula a profissão dos corretores de seguro de vida e capitalização; (iii) pelo Decreto-lei nº 73/66[3]; (iv) pela Resolução CNSP n° 249 e pela Circular SUSEP nº 429, ambas de 15 de fevereiro de 2012.
Com base nas normas contidas nos dispositivos acima mencionados, pode-se definir corretor de seguros como sendo o intermediário legalmente autorizado a angariar e a promover contratos de seguros entre as companhias de seguros e as pessoas físicas ou jurídicas. Além disso, há de se adicionar ao singelo conceito anteriormente exposto a ideia de independência, conforme previsão expressa contida no artigo 722 do Código Civil, verbis:
“Art. 722. Pelo contrato de corretagem, uma pessoa, não ligada a outra em virtude de mandato, de prestação de serviços ou por qualquer relação de dependência, obriga-se a obter para a segunda um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas.” (grifo nosso)
No mesmo sentido caminha o artigo 100 do Decreto nº 60.459, de 13 de março de 1967, que regulamenta o Decreto-lei nº 73/66, o qual acresce ao conceito consagrado de corretor a natureza autônoma da atividade. Vejamos:
“Art. 100. O corretor de seguros, profissional autônomo, pessoa física ou jurídica, é o intermediário legalmente autorizado a angariar e promover contratos de seguro entre as Sociedades Seguradoras e as pessoas físicas ou jurídicas de direito Privado.” (grifo nosso)
Portanto, parece-nos que constitui característica intrínseca à profissão de corretor (qualquer corretor, seja ele de imóveis, de títulos e valores mobiliários ou qualquer outra modalidade congênere) a sua independência/autonomia, ou seja, a sua equidistância em relação às partes que pretendem entabular uma relação comercial. Entende-se, intuitivamente, que o corretor necessita agir com imparcialidade no exercício de sua atividade, porque ele detém informações privilegiadas de ambas as partes e, por conseguinte, o poder de pender injustamente para um dos lados da relação, visando favorecimento pessoal ou de terceiros.
No que tange à atividade de corretagem de seguros, destarte, tem-se uma tendência na doutrina nacional e internacional[4] de se enxergar o corretor de seguros como intermediário completamente independente em relação ao segurador, mas com possibilidade de deter certo poder de representação do segurado.
Importante salientar, neste ponto, que a imparcialidade ínsita ao corretor de seguros, especialmente em relação ao segurador, pode ser incompatível com a exclusividade deste em relação àquele e vice-versa. Nestes termos, Robert Jerry leciona, contrastando a figura do agente da do corretor de seguros, que “agentes são usualmente empregados do segurador ou têm uma relação de exclusividade com ele. Contrariamente, corretores não são nem empregados nem mantém tal relação de exclusividade”[5].
Contudo, embora menos recorrente, encontra-se na doutrina internacional quem entenda natural a relação de dependência entre o corretor e o segurador, como o renomado jurista argentino Ruben Stiglitz, segundo o qual, embora se tenha caracterizado como elemento distintivo entre o agente e o corretor a presença da exclusividade do primeiro em relação ao segurador, o mercado (na prática) tem imposto e aceito a categoria de corretor com relação de dependência com o segurador[6].
III. A Figura do Agente de Seguros no Exterior
Modalidade de distribuição de seguros bastante disseminada pelo mundo, o agenciamento é uma estratégia empregada de forma ampla e eficiente para a comercialização de seguros. Na França, em 2005, os seguros de danos foram distribuídos principalmente pelos agentes gerais (agents généraux) (35%) e pelos corretores (courtiers) (18%), sendo que, para os seguros de vida, tal participação foi de 7% para os agentes e 13% para os corretores[7].
Vale ressaltar que, na Europa, os agentes são considerados, ao lado do corretor e dos operadores de bancassurance, os intermediários clássicos das operações de seguros, nos termos da Diretiva 2002/92/CE do Conselho e do Parlamento Europeu[8], a qual versa sobre a intermediação em seguros, em especial sobre as exigências profissionais e de registro requeridas pelas autoridades dos Estados membros.
Segundo tal diretiva europeia, são consideradas “intermediação de seguros” (“mediação de seguros”, de acordo com a terminologia empregada na tradução para o português) “as actividades que consistem em apresentar, propor ou praticar outro acto preparatório da celebração de um contrato de seguro, ou em celebrar esses contratos, de apoiar a gestão e execução desses contratos, em especial em caso de sinistro”.
Como citado acima, o agente é considerado um intermediário de seguros na Europa e é ele quem permite que as seguradoras atuem em mercados pouco explorados, especialmente no interior dos países membros. Segundo Lambert-Faivre e Leveneur, é por meio de suas agências que as companhias de seguro estabelecem contato com o público, sendo o agente geral o seu mandatário e responsável pela colocação das operações de seguro e, eventualmente, pela sua gestão. Além disso, afirma que o agente geral executa suas funções com a independência que caracteriza o exercício de uma profissão liberal[9].
Para o conceituado anuário francês “Lamy Assurances” os agentes gerais de seguros “são profissionais independentes que representam, por meio de um mandato, uma ou diversas companhias de seguro. Eles têm por função principal atrair clientela para tal(is) companhias, assumindo total ou parcialmente a gestão dos contratos”. Ainda segundo o anuário, “não obstante o desenvolvimento desde os anos 50 de novas formas de distribuição (mútuas sem intermediários, bancos e subscrição direta) os agentes gerais são considerados um polo essencial de venda de seguros na França”[10].
Nos Estados Unidos, por sua vez, o conceito de agente de seguros é mais amplo ainda e sofre certa diferenciação a depender do estado da federação onde ele opera. A maioria dos estados estabelece, por lei, que todas as pessoas que participem da comercialização de certos tipos de seguro em favor das companhias seguradoras são consideradas agentes[11].
O livro básico do curso de direito empresarial para profissionais de seguro usado para a certificação CPCU (Chartered Property Casualty Underwriter) define o agente de seguros como o representante legal de uma ou mais seguradoras, com quem mantém uma relação contratual para a venda de seguros, classificando-o em três espécies: gerais, especiais e meros solicitantes, a depender da abrangência da representação[12].
Segundo Robert Jerry, um agente de seguros pode ser autorizado a celebrar contratos em favor da seguradora que representa, sendo importante ressaltar que tal tipo de autorização é mais amplo do que a mera autorização para submeter propostas, emitir e entregar apólices, coletar prêmios ou cancelá-las de acordo com as orientações da seguradora[13].
Por outro lado, as regras e a jurisprudência em mercados mais avançados são claras com relação à responsabilidade assumida pelas seguradoras, frente ao mercado consumidor, pelos atos praticados pelos seus agentes. Estes, na condição de longa manus (representantes), vinculam as seguradoras com quem mantém contrato de agência, perante os proponentes e segurados, porquanto agem por conta, ordem e em benefício delas.
Em suma, percebe-se que, em mercados mais desenvolvidos, os agentes desempenham uma atividade regulada de grande importância na comercialização de seguros, sendo que as leis e regulamentos lhes concedem a mais ampla liberdade de representação das seguradoras (intermediação, contratação, auxílio na regulação de sinistros, etc.), sem se descuidarem da fiscalização desempenhada pelas autoridades governamentais e da clareza quanto à existência e extensão da responsabilidade das companhias em virtude dos atos praticados por seus agentes no desempenho de sua atividade independente e autônoma, porém delimitada nos termos do contrato.
IV. A Figura do Agente de Seguros no Brasil
Como mera aplicação do contrato de agência, a intermediação de seguros por meio de um agente de seguros deve obedecer ao quanto disposto no Capítulo XII, Título V, do Código Civil, o qual trata do contrato de agência e distribuição, com influxos complementares dos dispositivos contidos na Lei nº 4.886, de 9 de dezembro de 1965, a qual regula as atividades dos representantes comerciais autônomos[14].
De acordo com o caput do artigo 710 do Código Civil, “pelo contrato de agência, uma pessoa assume, em caráter não eventual e sem vínculos de dependência, a obrigação de promover, à conta de outra, mediante retribuição, a realização de certos negócios, em zona determinada”. O parágrafo único do mesmo artigo contém previsão no sentido de que o proponente pode conferir poderes ao agente para que este o represente na conclusão dos contratos.
Nesse sentido, tem-se que tal contrato, escrito, bilateral, oneroso e intuitu personae, é celebrado entre o proponente (ou agenciado) e o agente, pessoa jurídica ou natural, para que este promova a realização de certos negócios em uma dada zona, em benefício daquele, com habitualidade e sem qualquer vínculo de dependência jurídica, ou seja, com liberdade de atuação nos limites do contrato. Para a facilitação da promoção e/ou da execução do contrato ou serviço agenciado, o proponente poderá outorgar poderes ao agente para que ele pratique atos em seu nome.
Pois bem. Transportando a caracterização legal do contrato de agência acima para a especificidade do mercado securitário, tem-se que, pelo contrato de agência, uma pessoa (jurídica ou natural) assume, em caráter não eventual e sem vínculo de dependência, perante uma ou várias companhias seguradoras, a obrigação de promover, mediante pagamento de remuneração, a realização de operações de seguros, em uma determinada zona.
Entretanto, vale mencionar que desponta como característica específica do contrato de agência de seguros a presunção legal de que o agente age como mandatário do segurador, por força do artigo 775 do Código Civil, de acordo com o qual “os agentes autorizados do segurador presumem-se seus representantes para todos os atos relativos aos contratos que agenciarem”.
Vale ressaltar, neste ponto, em linha com os comentários ao Código Civil coordenados pelo Ex-Ministro César Peluso, que a regra geral contida no artigo 775 do Código Civil está em que
“o segurador responderá pelos atos de todos quantos ajam em seu nome, sejam prestadores de serviços, agentes ou prepostos. Responderá, também, sempre que saiba e de alguma maneira contribua para a situação de aparência criada por alguém que, posto sem poderes, acaba atuando em seu nome, contratando seguros. Nada mais, a rigor, que os pressupostos comuns de aplicação da teoria da aparência, ou da representação aparente: situação que justifica putatividade, mas forjada mediante alguma contribuição, participação ou mesmo negligência do responsável, no caso o segurador”[15].
A preocupação do legislador em presumir a representação do segurador pelo agente reside no fato de que a comercialização de produtos securitários guarda estreita relação com a tutela dos interesses da economia popular. Por meio de tal presunção, facilita-se o exercício dos direitos dos consumidores de produtos securitários, na medida em que os seguradores (agenciados) poderão ser responsabilizados pelos atos praticados pelos seus agentes.
Ante o exposto, percebe-se quão cauteloso há de ser o segurador ao escolher os seus agentes, tendo em vista que estes serão considerados verdadeiros mandatários e, por conseguinte, poderão praticar os mais diversos tipos de atos que, por força legal, vincularão o segurador (proponente), com todas as consequências daí advindas, como, por exemplo, aceitar risco destoando da política de subscrição da companhia ou mesmo acordar o pagamento de sinistro para o qual não havia cobertura.
Situado o contrato de agência de seguros dentro da tipologia do Código Civil e da Lei nº 4.886/65, cabe mencionar, ainda que en passant, certas características do contrato de agência que merecem ser levados em consideração pelas seguradoras antes de se colocar em prática a comercialização de seguros por meio de agentes.
Assim, primeiramente, convém ressaltar a necessidade de se estabelecer a zona de atuação do agente, considerando-se o território no qual ele poderá intermediar a contratação de seguros, bem como os produtos e o mercado específico em que atuará. Assim, por exemplo, o agente poderá ser contratado para intermediar a comercialização de seguros de crédito interno na cidade de Curitiba, com foco exclusivo em empresas que faturem até 100 milhões de reais.
Outro ponto de destaque, em atenção ao quanto disposto no artigo 711 do Código Civil, diz respeito ao fato de que o proponente não pode constituir, ao mesmo tempo, mais de um agente, na mesma zona, com idêntica incumbência, tampouco pode o agente assumir o encargo de nela tratar de negócios do mesmo gênero, à conta de outros proponentes, ou seja, a regra é a exclusividade recíproca entre agente e segurador, a qual pode ser afastada por disposição expressa no contrato de agência.
Por outro lado, o contrato celebrado entre o agente e a sociedade seguradora poderá prever, dentre outras coisas, cláusula de não concorrência e de confidencialidade, bem como a proibição da prática, por parte do agente, de atos que possam de alguma forma prejudicar a relação segurado-seguradora.
Ademais, faz-se necessário prever no contrato a forma de indenização pela resilição ou rescisão do contrato, levando-se em consideração os parâmetros indenizatórios previstos na Lei nº 4.886/65, em especial no que tange a denúncia ou rescisão imotivada do contrato. Neste caso, vale lembrar que a referida lei estatui uma indenização fixada em função da média de comissões recebidas até a resolução, multiplicada pelos meses que ainda faltavam para o contrato findar, para o caso do contrato por prazo determinado, e indenização não inferior a 1/12 do total das comissões recebidas durante o tempo de exercício da atividade de agenciamento, para os contratos por prazo indeterminado, sendo que, neste último caso, há quem entenda que se pode fixar valor de indenização sem a observância do piso previsto na Lei nº 4.886/65, por força do quanto disposto no artigo 720 do Código Civil.
Finalmente, é importante considerar o risco trabalhista relacionado à utilização de agentes para comercialização de seguros, sempre que estiverem presentes, no relacionamento entre companhia seguradora e agente, os requisitos do vínculo de emprego, a saber, pessoalidade, habitualidade, subordinação e onerosidade.
V. Minuta da Resolução
A minuta da resolução acerca da atuação do agente de seguros posta em audiência pública peca, primeiramente, pelo total desapego com a vasta regulação legal dada ao contrato de agência, com todas as nuances e consequências acima apontadas, e, além disso, cria restrições e limites que não são compatíveis com tais normas legais, com o princípio constitucional da livre iniciativa e com os objetivos da política nacional de seguros privados constante do artigo 5º, inciso I, do Decreto-lei nº 73/66, qual seja, promover a expansão do mercado de seguros e propiciar condições operacionais necessárias para sua integração no processo econômico e social do País. Vejamos.
O artigo 1º da minuta permite que apenas pessoas jurídicas figurem como agentes de seguro, criando discriminação onde a lei não discrimina e na contramão histórica do contrato de agência posto em prática no resto do mundo. Tal contrato, personalíssimo por natureza, deve ser desempenhado por pessoa física certificada e registrada perante os órgãos competentes ou por pessoa jurídica dirigida por tal pessoa física certificada, nos moldes do que se vem praticando na atividade de corretagem de seguros no Brasil.
O § 3º do artigo 1º do esboço de norma ora em comento, por seu turno, cria duas limitações que também não se compadecem com a natureza do instituto e, mais uma vez, restringem o que a lei não restringiu. Assim, limita os ramos de seguros que podem ser ofertados por agentes àqueles elencados no artigo 3º[16], sem qualquer critério razoável, se é que possa existir qualquer critério de discrímen no caso. Referem-se, basicamente, a ramos massificados por natureza, alijando-se os agentes de comercializar produtos mais requintados como, por exemplo, os produtos de financial lines. Ademais, preceitua que a oferta de seguros só poderá ocorrer nas dependências físicas do agente e/ou no seu portal na rede mundial de computadores, impedindo que ele o faça por meio de visitas a clientes, por exemplo, de novo sem qualquer motivo que pareça razoável.
Mais uma vez, agora no artigo 4º, a citada minuta restringe a comercialização de seguro por meio de agentes às apólices individuais, sem que se encontre motivos para tanto.
Do exposto, parece-nos que a SUSEP, preocupada com os recorrentes problemas envolvendo a comercialização de seguros pelas redes varejistas, tentou aplacar o problema lançando mão da figura do agente de seguros, instituto muito mais abrangente e complexo, o qual pode sim ser alvo de regulação infralegal, mas em linha com a Constituição Federal, bem como a legislação especial e codificada.
Conclusão
Do quanto exposto acima, podemos concluir o seguinte:
i) A figura do agente como intermediário das operações de seguro nunca foi uma tradição brasileira, até que, por força da edição do Novo Código Civil, o mercado começou a cogitar a sua utilização;
ii) A comercialização de seguros no Brasil pode ser feita com a assistência do corretor de seguros ou diretamente pelas seguradoras, por meio de seus prepostos, dentre eles o agente de seguros;
iii) O corretor de seguros é, por natureza, profissional independente e que guarda equidistância das partes do contrato de seguro;
iv) O agente de seguros, vinculado contratualmente ao segurador, é figura comum e importante nos mercados de seguros mais avançados, onde as restrições regulatórias cingem-se a necessidade de certificação e registro prévio perante as autoridades locais;
v) A comercialização de seguros por intermédio de agente de seguros no Brasil corresponde à mera aplicação do contrato de agência previsto no Capítulo XII, Título V, do Código Civil, com influxos complementares dos dispositivos contidos na Lei nº 4.886/65;
vi) O agente de seguro age, por determinação legal contida no artigo 775 do Código Civil, como mandatário do segurador, responsabilizando-se este amplamente pelos atos praticados por aquele na comercialização e administração dos seguros;
vii) O segurador deve levar em consideração diversos fatores na contratação de um agente, em especial a determinação da zona de sua atuação e a especificação (ou não) de exclusividade, sem se descuidar dos riscos trabalhistas que podem advir de uma contratação e/ou gestão contratual equivocada(s); e
viii) A minuta da resolução apresentada deveria se restringir a regular a certificação dos agentes e registro profissional perante a SUSEP, sem estabelecer limites e restrições, em descompasso com os objetivos do modelo legal do contrato de agência.