Buscar:

A Ciranda do Mercado

Imprimir PDF
Voltar

Por Voltaire Marenzi, professor

voltaire 2024Quando Consultor Jurídico Substituto do Ministério da Justiça, sob a titularidade do saudoso Ministro Paulo Brossard de Souza Pinto, trabalhei na análise de um processo em que a Golden Cross solicitava as benesses garantidas por uma lei que, aparentemente, lhe concedia o título de uma entidade de utilidade pública.

A cessação da Golden Cross como entidade de utilidade pública federal foi um caso emblemático ocorrido na década de 1980. O então Ministro da Justiça Paulo Brossard de Souza Pinto assinou o ato de cessação, encerrando os efeitos do título concedido anteriormente à operadora de planos de saúde.

A Golden Cross havia obtido o título de utilidade pública federal, que conferia benefícios como isenções fiscais e prestígio institucional. No entanto, denúncias apontaram desvios de finalidade da entidade, que estaria atuando com fins essencialmente comerciais, em desconformidade com os princípios exigidos para manter tal qualificação.

Diante desta casuística, destaquei em minha análise, nos idos de 1988, a incompatibilidade entre as atividades mercantis da Golden Cross e os requisitos legais para a manutenção do título de utilidade pública.

A existência de lucro operacional elevado, restou evidenciada pelo caráter empresarial e não filantrópico.

Outrossim, foi relatada a falta de comprovação de ações assistenciais relevantes ou gratuitas em favor da população.

De outro giro foi feita a distinção clara entre entidades beneficentes de assistência social e empresas privadas prestadoras de serviços de saúde, cuja natureza era notadamente comercial.

De outra banda, a finalidade da norma que concedia o título de utilidade pública visava incentivar ações de interesse coletivo e filantrópico, o que não se coadunava com a atuação da Golden Cross naquele momento.

O ministro Paulo Brossard, conhecido por seu rigor jurídico e compromisso ético, acatou integralmente o meu parecer determinando a revogação do título.

O caso marcou um precedente importante na relação entre o Estado e entidades privadas que buscavam reconhecimento oficial.

Restou inconteste a importância da vigilância técnica contínua sobre os requisitos legais que justificavam títulos públicos.

Esse episódio é lembrado como um exemplo de coragem administrativa e clareza jurídica, sobretudo num período em que o Estado começava a reavaliar concessões e benefícios concedidos sem o devido controle.

Portanto, no momento em que se revolvem esses fatos na ciranda do mercado, quer de seguradoras, quer de operadoras de planos de saúde, se colhe a notícia de que a ANS decretou a liquidação extrajudicial da Golden Cross.

Os beneficiários dessa entidade têm agora um prazo de 60 dias, a partir da última terça-feira, dia 13 deste mês, para realizar a portabilidade especial de carências para outra operadora de saúde, segundo nos relata Gabriel Garcia da InfoMoney, um dos principais veículos de comunicação do Brasil especializado em notícias de economia, finanças e investimentos.

Segundo o mencionado repórter a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) anunciou a liquidação extrajudicial da operadora de saúde Golden Cross, também conhecida como Vision Med Assistência Médica.

A decisão, teria sido aprovada em reunião da diretoria colegiada da ANS na última segunda-feira (12), motivada por “anormalidades econômico-financeiras e administrativas graves” que comprometem a continuidade e a qualidade do atendimento aos beneficiários.

Com essa medida, a agência busca proteger os usuários e assegurar que possam migrar para planos de saúde que garantam um atendimento adequado voltado para assistência médica dos consumidores.

É a ciranda de nosso mercado.

Porto Alegre, 19 de maio de 2025.