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1º Colóquio do Cremesp reúne especialistas para discutir abertura desenfreada de escolas médicas

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Convergência no diagnóstico da extrema gravidade dos problemas relacionados à criação desenfreada de faculdades de Medicina privadas, bem como de muitas já existentes; necessidade de união das entidades médicas e elaboração de um documento que sintetize sua posição conjunta; e busca de ações concretas junto às diferentes estâncias de poder e à sociedade civil organizada para estabelecer critérios para que as escolas médicas possam funcionar.

Estas foram as principais conclusões do 1º Colóquio sobre a abertura desenfreada de escolas médicas, promovido pelo Cremesp, em sua sede na capital paulista, em 14 de dezembro. O evento, inédito, reuniu diversas entidades médicas e foi organizado pela Procuradoria Jurídica do Cremesp. Transmitido online pelo YouTube, o colóquio pode ser acessado a qualquer momento nesta plataforma.

Pelo Cremesp, participaram o presidente, Angelo Vattimo; e a 1ª secretária, Irene Abramovich. O colóquio teve, também, a importante participação do presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), César Eduardo Fernandes; do presidente da Associação Paulista de Medicina (APM) e secretário-geral da AMB, Antonio José Gonçalves; e do diretor científico da AMB, José Eduardo Lutaif Dolci. Contou, ainda, com a presença de conselheiros e de reconhecidos médicos vinculados à educação médica: Raul Cutait, professor de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Fmusp) e membro da Academia Nacional de Medicina; Éder Carlos da Rocha Quintão, integrante da Associação dos Professores Eméritos da Fmusp; Marise Pereira da Silva, diretora clínica do Hospital das Clínicas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho (Unesp), conselheira e membro da Câmara Técnica de Pediatria do Cremesp; e Sandro Scarpelini, conselheiro do Cremesp e livre docente da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP.

A seguir, os principais comentários feitos pelos participantes do debate:

Angelo Vattimo

“Este colóquio tem a intenção de iniciar um grande movimento em relação à abertura desenfreada – na verdade, absurda –, de escolas médicas. Não é razoável o que está acontecendo. Existe, de fato, a questão das disparidades demográficas na distribuição de médicos, mas a abertura das faculdades de Medicina não está relacionada a este fato, e, sim, a questões econômicas, formando médicos sem a capacitação necessária. 

Além da má formação durante a graduação, grande parte desses médicos não farão Residência, pois não há vagas para todos. E, pior, daí advém a má prática e os pacientes são os que sofrem as consequências. Já as escolas que estão abertas é preciso que passem por avaliações.

Temos de ampliarmos o movimento e caminhar rumo a soluções. Precisamos promover ações mais concretas.”
 
Irene Abramovich

“Este tema é fundamental. No Estado de São Paulo existem 70 faculdades médicas, muitas sem estrutura, caóticas. Há casos em que três ou quatro delas utilizam o mesmo hospital para o treinamento. Obviamente, elas deveriam ser proibidas. E os formandos não ficam nas regiões onde elas estão sediadas, pois vão para os grandes centros. 

O problema não está apenas no número de escolas, mas, também, no número de alunos, pois as já existentes estão duplicando ou triplicando o número de estudantes, com novas turmas. E quem os está ensinando? Não adianta fazer apenas o Exame do Egresso, isso é um grande erro. É preciso avaliar as escolas e punir os responsáveis.

A situação está extremamente ruim, muito difícil. E, ainda, temos milhares de médicos formados no exterior podendo trabalhar no País, sem avaliação pelo Revalida, pois a Justiça dá a eles esse direito.”
 
Marise Pereira da Silva

“É, realmente, um problema imenso, e não é simples. A abertura indiscriminada está possibilitando a formação de profissionais não qualificados e que não podem acessar programas de Residência. 

É imprescindível um programa de avaliação seriado durante a graduação. Não adianta avaliar o aluno apenas no final do curso. Mas são as faculdades que devem arcar com as falhas do seu sistema de ensino. São elas as responsáveis.” 

César Fernandes

“Este tema tem sido amplamente discutido dentro do movimento associativo, porém, ao longo do tempo, o grave problema foi sendo cristalizado e, infelizmente, seu centro são os pacientes, que merecem ser atendidos por profissionais capacitados e resolutivos.

Vemos três pilares importantes para o ensino médico: 1) acreditação das instituições de ensino médico por organismos independentes; 2) acreditação das unidades de saúde utilizadas para o ensino: Unidades Básicas de Saúde (UBS), hospitais etc. 3) Exame de Egresso, para avaliar suas qualificações; os desaprovados não podem atender pacientes.

Se não enfrentarmos essa situação, estaremos fugindo de nossas responsabilidades. Para resolvermos esses problemas, temos de buscar o apoio de entidades da sociedade civil organizada, fazer reuniões setoriais, a começar pelo Parlamento. Podemos começar, elaborando um documento sobre nossas propostas.” (César Fernandes)

Lutaif Dolci

“Estivemos esta semana, por meio da Associação Brasileira do Ensino Médico (Abem), no Ministério da Educação (MEC), em Brasília, participando do encontro “Ensino Médico: onde estamos, para onde vamos”, com a presença, também, de representantes do Ministério da Saúde (MS). Com uma única exceção, a opinião de todos os presentes caminha para os tópicos que estamos levantando aqui: avaliação seriada dos alunos, avaliação independente das escolas etc. Foi elencada, ainda, a falta de professores de Medicina e de campos de treinamento. 

É importante sabermos o que fazer com as escolas já abertas. Dificilmente o MEC vai fechá-las. Temos de fazer proposições para tentar diminuir o problema e tomar decisões e ações unificadas.”

Raul Cutait

“Temos um grande drama –  palavra forte, mas que se aplica à situação do ensino médico –  pela frente. Há duas vertentes que motivam essa aberturas desenfreada de escolas: política, para satisfazer pessoas pelo País afora; e interesse financeiro do grande business.

Quantos médicos generalistas e especialistas o Brasil precisa? Não sabemos. Há uma má distribuição deles em nosso país. Mas, porque se concentram mais em alguns lugares e não em outros? É preciso pensar fora da caixa. A experiência de outros países, como Estados Unidos e França, por exemplo, mostra que as faculdades não fixaram egressos onde há “desertos” médicos. No Brasil, que é mais problemático, é ainda pior. Em geral, uma meia dúzia fica no local da faculdade, porém não se justifica formar tantos profissionais para isso. Além disso, não temos professores suficientes para tantas faculdades. O médico é formado ao lado de um profissional experiente e do paciente. No ritmo em que estamos, apenas um terço dos egressos terão acesso a programas de Residência, ou seja, estarão mal preparados e vão errar mais.

O MEC está asfixiado por pressões políticas e não tem pernas para enfrentá-las, como ocorre em todos os governos. Precisamos ajudá-lo a criar sarrafos, que são critérios para corrigir as aberrações de muitas escolas médicas. E é preciso criar um clamor popular pela qualidade delas, pois quem paga a conta são os pacientes.”

Sandro Scarpelini

“Precisamos nos remeter a Abraham Flexner, educador e pesquisador norte-americano conhecido por seu relatório sobre a educação médica nos Estados Unidos e Canadá, em 1910, que culminou no fechamento de várias faculdades de Medicina naqueles países devido a deficiências e não cumprimento dos critérios estabelecidos pelo documento. Aqui no Brasil, Adib Jatene sempre falou sobre a questão da abertura indiscriminada de escolas médicas, desde quando foi ministro da Saúde.

Mesmo quando a escola tem estrutura, às vezes falta quem ensine, quem esteja à frente dela. E faltam, também, unidades de saúde onde os alunos possam aprender. Com todas as faculdades que foram e podem ser criadas, no Brasil, vai demorar mais de um século para resolvermos todos os problemas. E, como Jatene também afirmou, ninguém consegue fechar uma faculdade dessas. A menos, como disse Cutait, que a sociedade comece a exigir e a pressionar a Justiça e os demais poderes no sentido de acabar com essa abertura desenfreada.”

Antônio José Gonçalves

“A união das entidades médicas é fundamental para colocarmos os sarrafos nas escolas médicas, como disse Cutait. Tudo o que estamos discutindo passa pelo Parlamento. Nós, da APM e da AMB, já fizemos inúmeras vias-sacras em Brasília. Recentemente, falamos com cinco ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Temos de ajudar o MEC, mas o Ministério tem de nos dar espaço para isso, pois temos conhecimentos que não podem ser deixados de lado. Mesmo a Associação das Universidades Privadas não querem mais concorrência. Não somos contra todas as faculdades existentes, mas contra aquelas que não têm campo de treinamento.

O Exame de Proficiência ainda não foi aprovado, mas é uma bandeira nossa, assim como o Revalida. Investimos em uma assessoria parlamentar forte no Congresso. O momento de resolver o problema das escolas médicas é agora, na verdade já passou da hora. Uma grande quantidade de egressos não faz Residência. Vai morrer muita gente, vai ter mais processos nos Conselhos Regionais...”.

Eder Carlos da Rocha Quintão

“Há muitos anos discutimos estes temas na Associação dos Professores Eméritos da Fmusp. Um relatório como o Flexner está totalmente fora de cogitação no Brasil. Nossa proposta para o ensino médico é termos um exame como o da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) com o apoio dos Ministérios, um Exame de Estado. Evidentemente, a Medicina não é como o Direito, mais teórico, porém, é possível elaborar uma prova mesmo não sendo à beira do leito. Com ela, certamente, o nível mínimo dos médicos será acima da média atual. E a avaliação deveria ser em etapas, com um exame final feito por uma entidade idônea e independente. Mas que portas devemos bater para sermos ouvidos? Mesmo que soluções sejam encontradas, já virão tarde. Estamos de acordo, falamos a mesma língua.”

Confira todas as fotos do evento

Fonte: Cremesp, em 15.12.2023
Fotos: Osmar Bustos