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Trinta anos de Constituição, três décadas de Democracia

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Por Gloria Faria (*)

“O regime democrático não se define por um traço único, mas por um conjunto de características que se combinam para formar um arranjo complexo, em cujo seio elas se limitam e se equilibram mutuamente, pois, mesmo sem estar em contradição frontal uma com a outra, têm fontes e finalidades diferentes. Se o equilíbrio for rompido, o sinal de alarme deve ser desencadeado.” Os Inimigos Íntimos da Democracia - TZVETAN TODOROV

gloria fariaHá trinta anos, no dia 5 de outubro de 1988, era promulgada a Constituição Federal, símbolo máximo da (re)democratização que então se inaugurava, após o longo período de duas décadas de regime militar.

Os vinte meses de trabalhos durante os quais a Assembleia Nacional Constituinte, instalada no início de 1987, recebeu cerca de 100 propostas de emendas constitucionais foram antecedidos pela Comissão Provisória de Estudos Constitucionais. Criada em 1985 e também conhecida como Comissão Arinos em função de seu líder Afonso Arinos produziu o anteprojeto que embasou os trabalhos da Constituinte.

O extenso texto constitucional, com 245 artigos, que Ulysses Guimarães classificou como “o documento da liberdade, da dignidade, da democracia, da justiça social do Brasil” trouxe uma grande expansão de direitos, liberdades civis e garantias individuais. Resultou de um processo histórico de caráter essencialmente participativo da sociedade civil que ansiava por ter voz nos destinos do país e contribuir para a efetivação do Estado Democrático de Direito. Veio restabelecer as eleições diretas e o sistema pluripartidário, o direito ao voto a partir dos 16 anos, a liberdade de imprensa e associativa.

Enuncia no seu artigo 1º entre os princípios fundamentais: ”a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, e o pluralismo político” ao que se seguem objetivos de construir uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza e a marginalização; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade. [1]

O diploma veio em resgate da cidadania e buscou afastar todo e qualquer comportamento discriminatório, declarando “todos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. [2] Criou o compromisso para o Estado de promover [...] a defesa do consumidor [3], e cuidou para que fosse elaborado no prazo de 120 dias proposta para a criação de um Código de Defesa do Consumidor, o que ocorreu com a promulgação da Lei 8.078 de 1990.

Também colocou sob o encargo do Estado a garantia da saúde e da educação para todos. Para tanto criou o Sistema Único de Saúde – SUS – em que a União, os estados e os municípios, de forma integrada, devem participar e permitir o acesso de todos os brasileiros, e até mesmo de cidadãos estrangeiros, aos serviços públicos de assistência universal à saúde.

Quanto à educação seu artigo 205 impõe-na como “[..] direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Assim, passou a ser dever do Estado provê-la, da família, complementá-la e da sociedade, fomentá-la.

Três décadas passadas e mais de cem emendas constitucionais depois, muitas das previsões do texto constitucional ficaram na pretensão do legislador. Não conseguiram sair do papel. A grande abrangência dos direitos e garantias, no sentido de prover um (tardio) estado de bem-estar social, encontra limitações impostas pela realidade e barreiras econômicas. A enorme desigualdade social que mantém a distância entre o cume e a base da pirâmide intransponível segue impedindo a materialização da proposta constitucional.

As crises econômicas - interna e externa – a crise política e a mudança do perfil demográfico com o acentuado envelhecimento da população [4] contribuíram, nos últimos anos para agravar a precariedade do atendimento público à saúde e a deterioração da qualidade do ensino comprometendo severamente as ambições da Carta Magna.

Em tempos renovação nos principais cargos do Executivo e Legislativo resta a expectativa de que o estado democrático de direito conquistado a tão duras penas, não venha a sofrer reveses e se mantenha por muitas e muitas décadas mais, tempo em que outras garantias sociais possam vir a se consolidar.

[1] Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: [...]

[2] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos: [...]

[3] Art. 5º, inciso XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

[4] “Demografia Econômica e Envelhecimento Populacional no Brasil: Desafios e perspectivas para políticas públicas” Seminário em 20/10/2018 em Brasília, promovido pelo Fundo da População das Nações Unidas (UNFPA) e o Ministério de Planejamento, Desenvolvimento e Gestão.

(*) Gloria Faria é Presidente do GNT de Novas Tecnologias da AIDA Brasil e Consultora Jurídica da CNseg.

(19.10.2018)