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Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Reconhece a Validade da Cláusula de Uso e Desgaste ("Wear And Tear") nas Apólices de Seguros Aeronáuticos

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Ana Carmo CAL-logo-RGB

Por Ana Carmo1

Em recente acórdão proferido pela Terceira Turma do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (Apelação nº 0020267-97.2014.8.19.0001), foi ratificada a validade da cláusula excludente de cobertura securitária de Uso e Desgaste, conhecida internacionalmente como "Wear and Tear", comumente utilizada nas apólices de seguros de riscos de propriedade.

No caso em questão, o Autor (operador e proprietário de Aeronave) questionou a negativa de cobertura securitária perpetrada por sua seguradora, que se recusou a pagar pelos prejuízos ocasionados à sua Aeronave decorrentes do superaquecimento do motor, que veio a explodir durante o procedimento de pouso.

O fundamento utilizado pela seguradora para negar a cobertura securitária se baseou em disposição contratual contida na apólice, a qual estabelece que não serão indenizáveis prejuízos decorrentes do desgaste normal, depreciação pelo uso, estragos mecânicos ou quebras de peças.

Inconformado, o Autor ajuizou demanda indenizatória, invocando a abusividade dessa disposição contratual e a incidência do Código de Defesa do Consumidor.

Em sua defesa, a seguradora argumentou que, incidindo ou não os preceitos consumeristas ao caso concreto, não haveria abusividade dessa disposição contratual já que, além de estar devidamente destacada em negrito na apólice, ela é essencial à natureza da própria cobertura securitária, já que a seguradora não é garantidora do risco do negócio segurado e tampouco do funcionamento, bom uso e longevidade do equipamento, cobrindo apenas eventos acidentais ocorridos com a Aeronave, ou seja, de natureza externa e súbita.

Afirmou, ainda, que atribuir garantia a tais riscos seria o mesmo que incentivar a ocorrência de novos sinistros, pois o segurado tenderia a assumir mais riscos e negligenciaria no cuidado com a manutenção do equipamento (moral hazard), uma vez que os custos decorrentes de qualquer sinistro acabariam sendo arcados por terceiros (no caso, a seguradora).

Em primeira instância, o Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro já havia julgado a ação improcedente, reconhecendo a solidez dos argumentos suscitados pela seguradora. Essa decisão foi, agora, confirmada pela Terceira Turma do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em ementa que teve a seguinte redação:

"Apelação Cível. Direito Civil. Contrato de Seguro de Aeronave. Explosão de turbina em processo de pouso. Recusa da seguradora ré em efetuar a troca da peça. Sentença de improcedência que deve ser mantida. Laudo pericial a atestar a quebra mecânica de palhetas da turbina por superaquecimento. Cláusula expressa quanto à ausência de cobertura securitária em caso de estragos mecânicos e quebras. Clareza da cláusula contratual, redigida em negrito, em aditivo destacado na apólice. Inaplicabilidade dos artigos 46 e 47 do CDC. Acidente aeronáutico que felizmente não veio a ocorrer, já que o piloto conseguiu parar totalmente a aeronave sem qualquer dano pessoal. Danos limitados a um motor. A seguradora não é garantidora do bom funcionamento e da longevidade do equipamento, o qual possui mais de trinta anos (ano de fabricação 1986), sendo natural o desgaste e eventual quebra de peças. (...)".

Importante ressaltar que o Tribunal de Justiça, mesmo reconhecendo a incidência do Código de Defesa do Consumidor ao caso (adotando, para tanto, a Teoria Finalista Mitigada) entendeu que a cláusula securitária de "Wear and Tear" não seria abusiva, já que incluída de forma destacada na apólice e também ante ao fato de que não há indícios de hipossuficiência técnica ou econômica do Autor, mormente porque se trata de bem de grande valor, utilizado para fins comerciais.

O Tribunal de Justiça também afirmou que, em situações como essa - e ainda que aplicável os ditames consumeristas - deve prevalecer o princípio do pacta sunt servanda, razão pela qual não há que se falar em nulidade da cláusula de "Wear and Tear".

É importante ressaltar que, para chegar a tais conclusões, foi necessária a realização de uma vasta dilação probatória, a fim de comprovar o mau uso do equipamento pelo segurado e a ausência de qualquer elemento acidental que tenha dado origem ao sinistro.

1Ana Carmo é associada do CAL - Costa, Albino & Lasalvia Sociedade de Advogados.

(17.12.2018)