Buscar:

Transparência e competitividade na implantação dos RPC dos estados e municípios

Imprimir PDF
Voltar

Por Arnaldo Barbosa de Lima Jr (*)

Os Estados e Municípios encontram-se, neste momento, em uma corrida contra o tempo para cumprir o que foi estabelecido na Reforma da Previdência (Emenda Constitucional nº 103, de 2019) e aprovar, até o dia 12 de novembro de 2021, lei que institua seus respectivos Regimes de Previdência Complementar (RPC).

A partir dessa data, os valores das aposentadorias e das pensões pagos pelos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) dos servidores concursados de todos os entes públicos terão como teto o valor máximo do benefício pago no Regime Geral de Previdência Social (RGPS), atualmente definido em R$ 6.433,57. Além disso, o descumprimento da obrigação de instituição do RPC pode implicar em sanções aos estados e municípios, tais como a não obtenção do Certificado de Regularidade Previdenciária (CRP), o qual impede o recebimento de transferências voluntárias da União e a obtenção de financiamentos junto a bancos públicos federais.

Desse modo, todos os cerca de 2.133 municípios brasileiros, que atualmente contam com um RPPS, deverão, até o prazo mencionado, optar entre criar uma entidade pública com o fim específico de administrar a previdência complementar de seus servidores – a qual exigirá a destinação de orçamento, pessoal, estrutura e expertise para seu funcionamento, ou, de forma mais rápida, barata e eficiente, aderir a plano exclusivo ou multipatrocinado de Entidade Fechada de Previdência Complementar (EFPC) já existente, com experiência, reputação e solidez comprovadas. Trata-se de decisão da maior relevância, pois produzirá impacto no planejamento e longevidade financeira de milhões de famílias.

A criação de uma entidade própria não é recomendada pela Secretaria de Previdência do Ministério da Economia, tampouco pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (ATRICON), uma vez que a maioria dos municípios brasileiros, sendo de pequeno e médio porte, além de não dispor em seus quadros de profissionais especializados na gestão de fundos previdenciários, também não conta com um número de servidores efetivos que viabilize a criação de um regime sustentável. Segundo o Ministério da Economia, a constituição de um fundo de pensão próprio só seria factível em situações em que o ente fosse capaz de conseguir a adesão de início, de pelo menos 10 mil servidores, realidade – como se sabe – bem distante da maior parte dos municípios.

Além disso, deve-se levar em conta que 41 EFPCs multipatrocinadas, com histórico de atuação e desempenho reconhecidos, manifestaram o interesse na gestão dos planos dos entes federados, comprovando apoio nessa importante e desafiadora missão de implantação de seus regimes de previdência complementar. Essas entidades, além de não possuírem fins lucrativos – o que torna seus planos mais baratos e acessíveis às organizações patrocinadoras e aos indivíduos participantes – são rigorosamente reguladas e fiscalizadas pela PREVIC, inclusive quanto à sua governança, o que confere maior segurança e confiabilidade ao modelo de previdência complementar construído em parceria com uma EFPC.

A questão que se coloca, no entanto, em face de tal cenário em que a recomendação, do ponto de vista técnico e financeiro, é a de que a implantação da previdência complementar se dê mediante a celebração de convênio de adesão a planos de benefícios já existentes, é como operacionalizar a formalização desse vínculo entre o ente federado e a EFPC.

Não há dúvida de que não há que se falar, neste caso, na aplicação da lei de licitações ou de outras normas que disciplinam contratos administrativos, já que o convênio de adesão possui a indubitável natureza de acordo entre partícipes com interesses convergentes e as EFPCs são entidades sem fins lucrativos.

Ocorre que, tendo em vista a diversidade de potenciais EFPCs interessadas e aptas a apoiar os entes públicos na implantação de seus RPCs, a realização de um procedimento público transparente, impessoal e pautado por critérios objetivos para a escolha da entidade parceira, parece ser a decisão que melhor atende aos princípios constitucionais que regem a Administração Pública (CF, art. 37, caput).

Ou seja, embora não haja norma expressa que determine a realização de um procedimento seletivo para a escolha da EFPC, essa medida deve ser encarada não só como forma de dar cumprimento à Constituição, mas, principalmente, como instrumento de boa gestão que, propiciando a competição em igualdade de condições entre as EFPCs, oportunize à Administração conhecer, comparar e escolher a proposta que lhe parecer mais adequada, bem como selecionar uma entidade com experiência, capacidade técnica e desempenho comprovados.

Nesse sentido é o entendimento do Ministério da Economia, expresso no Guia de Previdência Complementar para os Entes Federativos, o qual recomenda que os entes realizem seleção pública, com ampla divulgação e transparência do processo e sugere, inclusive, parâmetros mínimos para escolha da Entidade, relacionados à capacidade técnica, condições econômicas da proposta e às características do plano oferecido.

Também a ATRICON, por meio da Nota Técnica nº 001/2021, de 12 de abril de 2021, por reconhecer a multiplicidade de EFPC aptas a oferecer planos de previdência a Entes Federativos, defende que a única forma de justificar a escolha é “a realização de processo de seleção transparente e motivado, com fundamentação pautada por critérios de qualificação técnica e economicidade e contendo as razões de escolha de uma entidade em detrimento de outras alternativas, principalmente levando em consideração que há diferença das condições econômicas nas propostas.” A ATRICON também recomenda a adoção de alguns expedientes específicos a serem observados na formalização do processo seletivo, bem como critérios relevantes a serem considerados na avaliação das propostas e da capacidade das entidades.

Assim, seria importante, agora, que também outras instituições responsáveis pela regulação e controle do setor de previdência complementar editassem normas e/ou entendimentos que, além de recomendarem a realização de processos seletivos públicos, transparentes e objetivos para a escolha da EFPC, também estabelecessem regras e padrões uniformes para a condução desses certames, o que muito contribuiria para auxiliar os entes públicos no cumprimento desse mister.

Por fim, mas não mesmo importante, é fundamental que também as próprias EFPC abracem essa causa e defendam a realização de processo seletivo, com ampla divulgação e participação de todas as entidades interessadas, como etapa prévia obrigatória à formalização de convênios de adesão, assumindo, inclusive, o compromisso público de não aceitarem a adesão a seus planos de estados e municípios que não tenham oportunizado a competição.

Em tempos em que tanto se fala na importância de as empresas e organizações se pautarem pelos princípios de ESG (environmental, social and governance – ambiental, social e governança, em português), nada como ter a chance de poder concretamente demonstrar o valor que se atribui a esses conceitos.

Desse modo, ciente de sua responsabilidade social e por acreditar que a governança, como fator essencial para a sustentabilidade dos negócios, contempla também a ética, a integridade e a transparência nas relações que envolvem o setor público, a sociedade civil organizada, ao tempo em que publicamente se posiciona a favor da realização, pelos Entes Federados, de procedimentos competitivos públicos, objetivos, transparentes e impessoais para a seleção das EFPCs que assumirão a administração dos planos de benefícios dos regimes de previdência complementar, convida as demais entidades a se unirem a nós neste movimento.

(*) Arnaldo Barbosa de Lima Jr é Diretor de Estratégias Públicas da MAG – Grupo Mogeral Aegon.

Fonte: Abrapp em Foco, em 01.06.2021