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Solvência: o dia da virada

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Entrevista com Sílvio Rangel Silveira - Diretor-Superintendente da FIBRA - Fundação Itaipu-Br de Previdência e Assistência Social e Coordenador da Comissão Ad Hoc de Precificação de Ativos e Passivos e Solvência da Abrapp.

foto silvio rangel silveiraDiário dos Fundos de Pensão - Por que a mudança desta regra de solvência é tão importante para o sistema?

Sílvio Rangel - Os fundos de pensão são gestores de passivos e de ativos de longo prazo, mas até hoje vinham sendo submetidos a regras inadequadas, voltadas ao curto prazo, o que produzia vários efeitos negativos, como o descasamento entre os horizontes dos investimentos e fluxo de pagamento dos passivos, aumento da volatilidade dos resultados, chamamento de aportes de participantes e patrocinadores desnecessários, postergação ou precipitação na destinação de superávits, equacionamento de déficits em prazos excessivamente curtos, indução de gestão de investimentos curtoprazistas, efeitos pró-cíclicos da regulação amplificando o efeito das crises, entre muitos outros problemas.

É importante destacar que, quanto maior o horizonte de tempo de um plano previdenciário, maior a volatilidade de seus passivos, da mesma forma que quanto maior o horizonte de tempo de um investimento, também maior a volatilidade de seu valor presente. Ora, se um plano previdenciário apresenta volatilidade tão maior quanto maior o horizonte de tempo, seria de se esperar que a regra de solvência contemplasse limites diferentes em função do horizonte de tempo, mas não é o que acontecia. Todos eram tratados com o mesmo limite, o que tornava a regra inadequada tanto para planos com horizontes curtos de tempo quanto para planos com horizonte longo de tempo. Como se diz, se colocarmos alguém com a cabeça no freezer e os pés no fogo, a temperatura média pode estar equilibrada, mas a pessoa estará morta. E as regras atuais de solvência vigentes estavam matando o sistema.

Diário - Mas as alterações de precificação de ativos e passivos introduzidas em 2014 não resolveram este problema?

Sílvio - Não, e em alguns casos até agravaram. Para os planos que só tem títulos públicos federais de longo prazo em suas carteiras, o problema da volatilidade do resultado diminuiu, mas não resolveu, porque não há como conseguir o casamento perfeito dos pagamentos de benefícios com os vencimentos dos títulos federais. Mas para os planos que, além de títulos públicos, também possuem ativos reais de longo prazo em sua carteira, a situação até se agravou, porque além de conviver com a volatilidade dos ativos, agora tem-se que conviver também com a volatilidade do passivo, que passou a ser precificado com taxas que variam a cada ano. É importante lembrar que a posição consolidada do sistema apresenta menos do que a metade do patrimônio em títulos federais.

Ou seja, se a regra de solvência não fosse alterada, corria-se o risco de desincentivar a alocação de investimentos previdenciários em ativos reais de longo prazo, o que seria ruim não só para os planos previdenciários, mas também para o país.

Diário - Porque foi tão difícil construir um consenso em torno das novas propostas de solvência?

Sílvio - Além de ser um assunto tecnicamente complexo, ele envolve diferentes áreas de especialidade (atuarial, econômica, contábil e jurídica), diferentes perspectivas da sociedade civil (entidades, participantes e patrocinadores) e diferentes perspectivas internas ao governo (PREVIC, SPPC, fazenda, planejamento, casa civil). Mas ao final falou mais forte o compromisso que todos têm com a sustentabilidade de longo prazo de sistema, e o consenso possível foi aprovado. 

Diário - Quais são as novas regras aprovadas pelo CNPC ontem?

Sílvio - Em breve síntese, a proposta aprovada ontem pelo CNPC envolve as seguintes mudanças de conceito: (i) Limites de Déficit e Superávit proporcionais ao duration dos planos, a. Limite de déficit = (duration – 4) x 1% X reserva matemática e b. Limite de superávit = (10% + (duration x 1%)) x reserva matemática; (ii) Equacionamento de Déficits e destinação de superávits do montante que ultrapassar os limites; (iii) Prazo máximo de equacionamento de déficit alterado para 1,5 vezes o duration do plano; (iv) Extinção do gatilho de 3 anos para equacionamento de déficit (porque com o limite proporcional ao duration ele naturalmente será regressivo); (v) Vigência imediata da norma, válida para os resultados de 2014; e (vi) Planos de equacionamento devem ter contribuições lineares ou decrescentes.

A regra prevê também outras alterações, o que será devidamente detalhado em eventos que serão promovidos pela ABRAPP.

Diário - Como você se sente ao ver a nova regra de solvência aprovada?

Sílvio - Meu sentimento é o de dever cumprido com o sistema fechado, com o qual estou comprometido há 18 anos, e em prol do qual tenho atuado desde então. Chegar a este momento é o ápice de um debate que começou há muitos anos, em 2009, envolvendo discussões técnicas sobre a inadequação das regras de precificação e solvência. Mas tomou corpo a partir do momento em que a diretoria da ABRAPP encampou o debate, criando a comissão AD HOC  de Precificação e Solvência, composta por representantes das áreas atuarial, de investimentos, contábil e jurídica, a qual tive a oportunidade de coordenar nos últimos dois anos, quando foram aprovadas as Resoluções CNPC nº 15 e CNPC nº 16, relacionadas a precificação de passivos e ativos, e agora esta resolução sobre solvência.

Muitas pessoas contribuíram para este debate, que obviamente não foi fácil, e envolveu a construção de consensos entre profissionais com visões particulares de cada tema, e o grande desafio foi o da integração destas visões. Importante mencionar o nome dos membros da Comissão AD HOC que colaboraram ao longo do tempo com esta construção, entre os quais cito o Gazzoni e a Cleide, representando a área atuarial, o  Maurício Marcelini, o Barata, Edner e o Marcelo Nazareth, representando a área de investimentos, o Carlos e o Geraldo, representando a área contábil, e o Messina, representando a área jurídica, além da parceria com a ANCEP, que também foi decisiva.

Particular reconhecimento também aos profissionais da PREVIC e da SPPC, que contribuíram tanto no debate técnico quanto na viabilização da solução junto à outras esferas de governo.

Obviamente não posso deixar de mencionar a parceria com a sociedade civil, nas pessoas do José Altair, Floriano e Cláudia (ANAPAR), com representantes das patrocinadoras (Molina e Bispo), e o reconhecimento à liderança do presidente da ABRAPP (José Ribeiro) e do superintendente-geral, Devanir, que não só acompanharam, mas participaram ativamente destes debates e desta construção.

Fonte: Diário dos Fundos de Pensão, em 26.11.2015.