Sobre a Lei nº 14.599/2023

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Por Lucas Nascimento da Silva (*)

lucas 17012024

Em 2023, muito se falou no mercado securitário sobre a Lei nº 14.599/2023, tendo em vista os impactos diretos causados no segmento de seguro de transportes – anteriormente regulamentado pela Lei nº 11.539/2007.

Quando a nova lei foi promulgada, a movimentação do mercado foi praticamente uniforme: muitos players divulgaram materiais informativos em seus respectivos sites e/ou em suas redes sociais, destacando os principais pontos de atenção e, até mesmo, de dúvida em relação às alterações trazidas pela nova legislação.

Os principais pontos de atenção e de dúvida, que potencialmente mais trouxeram, e ainda trarão, impactos no mercado, foram os seguintes:

 Manutenção da possibilidade de contratação do seguro de Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário De Carga (“RCTR-C”) por estipulação pelo embarcador: é possível que o embarcador estipule o seguro visando a proteção de sua mercadoria, ainda que a responsabilidade pelos danos seja do transportador. Este foi um ponto de atenção, pois, apesar de ser uma prática antiga e habitual do mercado, em 2022 foi publicada a Medida Provisória nº 1.153, determinando a contratação exclusiva pelo transportador;

 Alteração dos seguros obrigatórios: este talvez seja o ponto mais repercutido da nova lei, considerando que:

a. Antigamente, somente o RCTR-C era obrigatório, o qual visa a proteção da carga contra danos oriundos de colisão, tombamento, incêndios e explosões dos veículos transportadores;

b. Visando a proteção da carga de forma integral, e complementando o RCTR-C, também era comercializado um seguro de Responsabilidade Civil Facultativo do Transportador Rodoviário por Desaparecimento de Carga (“RCF-DC”), o qual visava a proteção da carga contra desaparecimentos em geral – sejam eles oriundos de roubo, furto simples ou qualificado, extorsão simples ou mediante sequestro, apropriação indébita e estelionato;

c. A nova lei determina que este seguro, antes facultativo, passe a ser obrigatório – inclusive, há alterações até mesmo na nomenclatura de RCF-DC para RC-DC, tendo em vista que a letra F de “facultativo” não tem mais utilidade; e

d.Também se torna obrigatória a contratação de uma nova modalidade de seguro: o seguro de Responsabilidade Civil do Veículo por Danos a Terceiros (“RC-V”), visando que os danos a terceiros causados pelos veículos transportadores sejam reparados;

 Obrigatoriedade dos Planos de Gerenciamento de Risco (“PGR”): pela lógica da norma anterior, o PGR era traçado em um cenário em que se pretendia a Dispensa do Direito de Regresso (“DDR”) da seguradora em relação ao segurado. Em termos práticos, caso ocorresse algum sinistro, a seguradora não iria exercer o seu direito de regresso em face do transportador causador do dano, desde que este observasse e seguisse, a rigor, o plano de gerenciamento de risco. Agora, o PGR passa a ser um requisito do contrato de seguro, em si (e não uma condição de DDR), de forma que as medidas para o gerenciamento de risco serão estipuladas entre as seguradoras e os transportadores, ressalvada a participação dos embarcadores, também;

 Vedação ao ressarcimento em face do Transportador Autônomo de Carga (“TAC”): para todos os efeitos, os TACs subcontratados pelos transportadores, até então segurados, serão considerados como se fossem os próprios segurados – razão pela qual o regresso não será cabível;

Contratação de uma única apólice de seguro para cada ramo de seguro (RNTR-C): à luz da legislação antiga, o transportador poderia contratar duas apólices: a de RCTR-C e a de RCF-DC. A nova legislação determina que haja uma única apólice, garantindo o interesse do transportador contra todos os riscos abrangidos pelos seguros de RCTR-C e RC-DC.

Outras questões foram levantadas a partir destes pontos, como por exemplo: com a obrigatoriedade do PGR, como se dará a participação efetiva dos transportadores e embarcadores em sua elaboração, tendo em vista que a seguradora terá que tê-lo em todas suas apólices (há risco de se criar um “modelo padrão”)? Em caso de divergência entre as partes, qual condição deve prevalecer? Ainda, como ficará a DDR do ponto de vista prático, tendo em vista que o PGR deve ser indiscriminadamente previsto em todas as apólices?

Além dessas questões de conteúdo e forma, sem prejuízo de outras, também surgiram dúvidas relativas à operação, mesmo, tendo em vista a necessidade da criação, regulamentação e adequação dos clausulados – que precisam ser validados pela SUSEP.

Para esclarecer tais pontos, ainda que parcialmente, a FenSeg publicou, em 13/07/2023, a Circular nº 02/2023, destacando que:

 Os contratos firmados em momento anterior à promulgação da lei permanecem inalterados até o fim de sua vigência;

 As seguradoras podem seguir negociando seus produtos sem alteração, até que haja manifestação oficial da SUSEP sobre o tema;

 Os novos produtos, RC-V e RC-DC, devem ser operacionalizados segundo as coberturas do antigo RCF-DC, também até que haja manifestação da SUSEP sobre o tema;

 A contratação unificada deve ser observada;

 Todas as partes, inclusive os embarcadores, ainda podem participar e negociar ativamente os termos e condições dos PGRs; e

 É possível a comercialização da DDR no âmbito dos seguros de Transporte Nacional ou Internacional.

Obviamente, sem prejuízo dos entendimentos atuais, outras soluções irão surgir na medida em que os órgãos reguladores se manifestarem, as negociações forem conduzidas pelo mercado e ordenamento jurídico se posicionar, seja através da criação de novas leis para complementar, regulamentar ou alterar, seja através da evolução jurisprudencial.

(*) Lucas Nascimento da Silva é Advogado da Fairfax Brasil Seguros Corporativos S.A. 

17.01.2024