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Responsabilização dos patrocinadores de EFPC e o posicionamento do STJ

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Por Cristiane I. Matsumoto, Mariana Monte Alegre de Paiva e Eduardo Kauffman Milano Benclowicz (*)

Recentemente, em fevereiro de 2019, o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) voltou a confirmar a impossibilidade de inclusão do patrocinador de plano de previdência privada no polo passivo de litígios que envolvam os participantes e/ou assistidos e a entidade fechada de previdência complementar (“EFPC”), quando os litígios estiverem estritamente relacionados à discussão de aspectos intrínsecos ao plano previdenciário (e.g. concessão/revisão do benefício, resgate da reserva de poupança etc.)[1].

Esse tema tem sido há tempos objeto de intensas discussões no âmbito do STJ, tendo sido pacificado, em junho de 2018, sob a sistemática dos recursos repetitivos[2].

Em linhas gerais, ao ingressarem com demandas em face das EFPC, os participantes e/ou assistidos adotavam o entendimento de que os patrocinadores teriam legitimidade passiva, devendo ingressar nos processos como litisconsortes, na medida em que qualquer decisão concernente à revisão de aspectos do plano de benefícios, jurídica e economicamente, lhes interessaria, podendo, inclusive, culminar no dever de arcar com contribuições adicionais conjuntamente com a EFPC.

Os patrocinadores, por sua vez, entendiam que a relação estabelecida entre os participantes e/ou assistidos e a EFPC implicaria verdadeiro contrato autônomo, de cunho vinculativo apenas para as partes que o compõem e independente das obrigações trabalhistas estabelecidas entre estes e os participantes e/ou assistidos, de forma que eventuais demandas deveriam ser propostas, exclusivamente, em face da EFPC. Como consequência, os patrocinadores argumentavam que somente poderiam vir a ser responsabilizados a arcar com eventuais reajustes no âmbito da própria EFPC nos exatos termos dos respectivos Convênios de Adesão[3].

Note-se que, no julgamento sob a sistemática dos recursos repetitivos, o Recurso Especial tinha sido interposto por uma EFPC – a Fundação dos Economiários Federais (FUNCEF) – em face de decisão judicial que reconheceu que a patrocinadora seria parte ilegítima para figurar no polo passivo de demanda movida pelo participante.

Ao analisar o caso na época, o Ministro Relator Luis Felipe Salomão negou provimento ao pedido da EFPC, com fundamento em três argumentos centrais. Primeiro, reconheceu que no Brasil as EFPC são pessoas jurídicas distintas dos patrocinadores, constituindo-se como novos centros de direitos e deveres e dotados de plena capacidade de direito e de fato, inclusive em âmbito judicial, de forma que as EFPC teriam plena capacidade processual para figurarem no polo passivo de demandas movidas pelos participantes e/ou assistidos.

Segundo, a necessidade de equacionamento do déficit deveria ser avaliada no âmbito da própria EFPC, não podendo ser estabelecida arbitrariamente pelo Poder Judiciário, em respeito à própria autonomia privada e à norma impõe ao patrocinador, participantes e assistidos o dever de participarem do equacionamento proporcionalmente às suas contribuições para a EFPC[4].

Terceiro, a solidariedade não poderia ser presumida, nos termos do artigo 265 do Código Civil, devendo resultar da lei ou da vontade das partes, sendo a única responsabilidade solidária prevista na legislação de regência aquela eventualmente estabelecida entre os patrocinadores ou entre os instituidores quando expressamente prevista no Convênio de Adesão[5]. Somente nessa hipótese poderia um patrocinador responder por dívidas de outro patrocinador, mas, frise-se, não pela parte que incumbe aos participantes e/ou assistidos.

Muito embora não restem dúvidas acerca do posicionamento do STJ de que os patrocinadores não teriam legitimidade passiva para litígios que envolvem a EFPC e os participantes e/ou assistidos, em virtude de sua personalidade jurídica autônoma, convém mencionar que o Tribunal expressamente ressalvou, nos julgamentos sobre o tema, as causas originadas de “eventual ato ilícito, contratual ou extracontratual, praticado pelo patrocinador”.

Dessa forma, ainda que em uma demanda usual de revisão de benefícios, regra geral, os patrocinadores não detenham legitimidade passiva, passarão a tê-la caso os participantes e/ou assistidos comprovem que o pleito se originou de ato ilícito praticado pelos patrocinadores.

Nesse cenário, é possível que novas ações judiciais sobre o tema sejam ajuizadas por participantes e/ou assistidos visando qualificar as demandas como consequência direta de ilícitos cometidos pelos patrocinadores, visando especialmente ao reconhecimento da sua legitimidade passiva.

Recomendamos que os patrocinadores estejam atentos a esse risco e que eventuais defesas no âmbito dos processos rebatam especificamente a questão da responsabilidade, estabelecendo a clara distinção reconhecida pelo STJ entre os casos de discussões no âmbito contratual e os casos de ilícitos de fato imputáveis aos patrocinadores.


(*) Sócia e associados, respectivamente, de Pinheiro Neto Advogados

[1]   Vide Acórdão publicado em 13.3.2019 relativo ao julgamento unânime pela 3ª Turma do STJ no Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial nº 724.681/RJ.

[2] Vide julgamento pela 2ª Seção do STJ do Recurso Especial nº 1.370.191/RJ, conforme Acórdão publicado em 8.1.2018.

[3] O artigo 13, § 1º da Lei Complementar nº 109, de 29.1.2001, faculta aos planos que envolvem múltiplos patrocinadoras que prevejam no Convênio de adesão a solidariedade entre os patrocinadores.

[4] Conforme o artigo 21, § 1º da Lei Complementar nº 109/2001:

“Art. 21. O resultado deficitário nos planos ou nas entidades fechadas será equacionado por patrocinadores, participantes e assistidos, na proporção existente entre as suas contribuições, sem prejuízo de ação regressiva contra dirigentes ou terceiros que deram causa a dano ou prejuízo à entidade de previdência complementar.

§ 1o O equacionamento referido no caput poderá ser feito, dentre outras formas, por meio do aumento do valor das contribuições, instituição de contribuição adicional ou redução do valor dos benefícios a conceder, observadas as normas estabelecidas pelo órgão regulador e fiscalizador”.

[5] Nos termos do artigo 13, § 1º da Lei Complementar nº 109/2001:

“Art. 13. A formalização da condição de patrocinador ou instituidor de um plano de benefício dar-se-á mediante convênio de adesão a ser celebrado entre o patrocinador ou instituidor e a entidade fechada, em relação a cada plano de benefícios por esta administrado e executado, mediante prévia autorização do órgão regulador e fiscalizador, conforme regulamentação do Poder Executivo.

§ 1o Admitir-se-á solidariedade entre patrocinadores ou entre instituidores, com relação aos respectivos planos, desde que expressamente prevista no convênio de adesão”.

(Em 22.04.2019)