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Resolução CNSP nº 322/15 e Consulta sobre Formalização dos Contratos de Resseguro – Uma Mudança de Rumo

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Por João Marcelo dos Santos (*)

joao marceloAmbientes regulatórios, em geral, e em especial em mercados menos maduros, dificilmente evoluem de forma linear. Diferentemente, quando avançam, o fazem cambaleantes, com passos à frente e atrás e períodos de silêncio. A publicação da Resolução CNSP nº 322 e a disponibilização pela SUSEP da minuta de norma tratando da formalização dos contratos de resseguro parecem se enquadrar positivamente nesse cenário.

Abertura do Mercado

A abertura do mercado brasileiro de resseguros deu-se de forma relativamente tranquila, e teve como base a Lei Complementar nº 126/2007 e a legislação que dela decorreu. Tais normas, se não foram perfeitas, cumpriram o seu papel de estabelecer um ambiente ao mesmo tempo confiável e atrativo para o capital internacional e capaz de, em alguma medida, fomentar um mercado local de resseguros.

Passados os primeiros 3 anos da abertura, como não poderia deixar de ser, imperfeições e necessidades de ajustes surgiram, e a reação, totalmente errada na forma, no conteúdo e na força, foi a edição das Resoluções CNSP nºs 225 e 232.

Para proteger o mercado de resseguros local, foram estabelecidas regras de reserva de mercado (em substituição às regras de preferência) e uma limitação severa a operações intragrupo.

Mais do que uma contradição com o sistema que fora antes cuidadosamente discutido e desenhado, as novas normas atingiram a imagem positiva que o regulador brasileiro de seguros vinha construindo e criaram o espaço para outra série de problemas, muito mais graves. Sem pretender fazer uma lista exaustiva, podemos citar os custos decorrentes da arquitetura mais complexa de colocações de risco no exterior e o desincentivo ao investimento de longo prazo, baseado principalmente na confiança.

O que se seguiu foi um período confuso na regulação brasileira, com algumas iniciativas positivas e outras negativas e, em todos os casos, uma comunicação muito deficiente, agravando a sensação de falta de direção marcada pela edição das Resoluções CNSP nºs 225 e 232.

Resolução CNSP nº 322/15

A publicação da Resolução CNSP nº 322 pode ser considerada uma tentativa de retorno da SUSEP à busca de racionalidade e segurança nas suas ações.

Um elemento positivo claro é o estabelecimento de prazos longos de adaptação (4 anos), algo comum em mercados mais desenvolvidos e raramente adotado no Brasil.

A redução da restrição às operações intragrupo é também elogiável. Não cabe aqui aprofundar a discussão do assunto, mas a restrição de 20% para operações entre companhias ligadas foi uma tremenda quebra de expectativa. Isso porque o sistema inicialmente estruturado tinha com base, entre outras, na premissa de que grupos internacionais poderiam atuar no Brasil com empresas locais apoiadas, inclusive no que se refere à capacidade de capital e subscrição, pelas suas matrizes.

Fica a crítica de que a manutenção da restrição no longo prazo, ainda que em percentual muito menor, mas incidente sobre cada cobertura, obriga as cedentes à manutenção de esquemas complexos de colocação de risco no exterior. Nada que não possa ser ajustado no futuro, mas de qualquer forma um cenário melhor do que o anterior.

O mesmo se pode dizer da redução da reserva de mercado. Se o regulador entende que a reserva de mercado não é positiva, nada obstante os seus piores efeitos tenham sido mitigados pela edição da Resolução CNSP nº 241, então o ideal teria sido eliminá-la. A sua manutenção, em conjunto com a preferência (não podem ser eliminadas ambas, em razão do que dispõe a Lei Complementar nº 126), estabelece, entre tantos, mais um controle a ser mantido pelas cedentes brasileiras. Não é desprezível o custo associado a esses controles, tanto que se refere à sua compreensão como à sua implementação e manutenção.

Por fim, a criação de uma Comissão Consultiva no âmbito do CNSP com a finalidade de propor medidas voltadas a corrigir eventuais assimetrias entre a regulação brasileira de resseguros e as melhores práticas globais, independentemente dos resultados que vier a ter na prática, evidencia a intenção do regulador de escutar o mercado e respeitar as suas instituições, particularmente a Federação Nacional de Empresas de Resseguros, constituída como resultado do novo ambiente regulatório trazido pela abertura do mercado de resseguros.

Consulta Pública sobre a Formalização dos Contratos de Resseguro

No que tange à formalização dos contratos de resseguro, a legislação vigente não definia o que seria uma formalização adequada. Tal indeterminação, somada à juventude do mercado brasileiro e ao fato de que a contract certainty era tema relativamente recente mesmo em mercados desenvolvidos, gerou muitas controvérsias.

Além disso, a partir de determinado momento a SUSEP passou a aplicar diversas multas contra seguradoras, corretores de resseguro e resseguradores em razão de supostas falhas na formalização de contratos de resseguro e retrocessão.

Nesse contexto, pressionada pelo mercado, a SUSEP preparou e disponibilizou para consulta pública minuta de Circular que estabelece e dispõe sobre critérios adicionais relacionados ao art. 37 da Resolução CNSP nº 168/07.

Um elemento certamente positivo nessa iniciativa é a disponibilização pela SUSEP da norma para consulta pública.

Outro aspecto positivo é o fato de que a norma, de forma geral, está em linha com as práticas internacionais de contract certainty, sendo de simples compreensão e implementação.

A linha mestra da norma é boa, e é um bom começo para a discussão dos seus termos definitivos, podendo ser identificados alguns elementos importantes, entre eles: (i) exigência da assinatura tão somente dos resseguradores e não mais das cedentes, (ii) a diferenciação entre nota de cobertura e contrato, (iii) o não estabelecimento de conceitos mais complexos sobre o que é o contrato de resseguro.

Como pontos negativos, pode-se apontar (i) o excesso de detalhamento quanto à forma como a aceitação do contrato deve ser manifestada e (ii) a possibilidade, nos termos da redação da minuta, de se confundir um contrato que não tem todos os elementos exigidos pela legislação (questão que pode ser eventualmente controversa) com a inexistência de um contrato formalizado. São coisas diferentes, e esse ponto certamente merece um ajuste.

De qualquer modo, nada obstante o fato de que se trata de uma minuta inicial, trata-se de um excelente começo de discussão.

Conclusão

Entre aspectos positivos, negativos e dúvidas, a edição da Resolução CNSP nº 322 e a disponibilização para consulta pública da minuta de Circular acerca da formalização dos contratos de resseguro evidenciam a disposição da SUSEP de ajustar a legislação, corrigindo erros e avançando na implementação de regras para o mercado de resseguros compatíveis com a prática internacional.


Santos bevilaqua logo(*) João Marcelo dos Santos é Sócio Fundador do Santos Bevilaqua Advogados, Ex-Diretor e Superintendente Substituto da SUSEP e Presidente do Conselho de Acadêmicos da Academia Nacional de Seguros e Previdência.

 

(21.07.2015)