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Quais os limites para a instrução nos processos sancionadores da PREVIC?

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Por Aparecida Pagliarini[1] e Danilo Ribeiro Miranda Martins[2]

Há muito tem sido debatida a necessidade de revisão do Decreto nº 4.942/2003, que regulamenta o processo administrativo sancionador no âmbito da previdência complementar fechada. Embora novo tratamento seja realmente necessário, algumas correções e avanços podem e devem ser promovidos desde já, independentemente de qualquer ajuste normativo.

Referimo-nos, especialmente, às limitações para a produção probatória verificadas ao longo da aplicação do Decreto, desde sua entrada em vigor, há 22 anos. Trata-se, aqui, do indeferimento recorrente de provas que não sejam documentais em tais processos, como a oitiva de testemunhas ou a prova pericial, por vezes necessárias para decisões mais adequadas e justas.

Na leitura do Decreto está claro que o autuado poderá indicar na defesa “todas as provas que pretende produzir de forma justificada”. Não se pode esquecer, contudo, que a análise do Decreto deve ser feita em conjunto com o artigo 66 da LC nº 109/2001, ou seja, devem ser aplicadas igualmente as disposições da Lei nº 9.784/1999 ao processo sancionador da PREVIC.

A Lei em questão, que regula o processo administrativo federal em geral, destina todo o seu Capítulo X ao tema da instrução processual, valendo destacar notadamente o disposto no artigo 38:

Art. 38. O interessado poderá, na fase instrutória e antes da tomada da decisão, juntar documentos e pareceres, requerer diligências e perícias, bem como aduzir alegações referentes à matéria objeto do processo.

§ 1º Os elementos probatórios deverão ser considerados na motivação do relatório e da decisão.

§ 2º Somente poderão ser recusadas, mediante decisão fundamentada, as provas propostas pelos interessados quando sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias. (grifou-se)

Assim, à luz da Lei nº 9.784/1999 não restam dúvidas de que o interessado pode requerer diligências e perícias, que apenas serão recusadas se e quando forem consideradas ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias. Essa é a literalidade do comando legal, que não exige maior esforço para sua interpretação.

Pois bem. Os processos na PREVIC que tivemos oportunidade de acompanhar envolviam, em quase sua totalidade, autuações referentes à aplicação de recursos “em desacordo com as diretrizes estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional”. Em todas as situações em que foi solicitada a produção de prova testemunhal ou pericial, identificamos o indeferimento do pedido sob o pretexto de que tais provas seriam meramente protelatórias ou desnecessárias.

O argumento, contudo, dificilmente se sustenta. Primeiro, porque o texto constitucional diz, entre os direitos e garantias fundamentais, que todo brasileiro e estrangeiro residente no País tem assegurado, em processo judicial ou administrativo, o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Segundo, porque é perfeitamente possível que, por meio de produção de prova testemunhal, o autuado demonstre que atuou de forma diligente e com boa-fé, de forma a afastar sua responsabilização por ausência de dolo ou culpa.

Por vezes não será possível, a partir da mera juntada de documentos, demonstrar que foram adotadas as providências necessárias para evitar a ocorrência de infração. Importa recordar que as condutas devem ser apuradas profunda e individualmente, não sendo suficiente a mera menção à competência legal e estatutária para a imputação de responsabilidade. Até porque as diretrizes estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional não se traduzem somente em documentos, mas em atos, posturas e procedimentos das mais variadas formas, inclusive em trocas de informações e avaliações que nem sempre estão contidas integralmente em atas ou relatórios.

Tampouco pode ser considerada desnecessária a produção de perícia de investimentos que vise demonstrar que a decisão de aplicação foi adotada de forma diligente e fundada na melhor técnica, o que configura ato regular de gestão, cujos contornos estão hoje melhor definidos no artigo 230 da Resolução PREVIC nº 23/2023 e no artigo 4º da Instrução TCU nº 99/2025. Perícia é prova que traduz uma avaliação técnica baseada em atos e fatos do mercado financeiro e de capitais, expostos a dinâmicas e instabilidades geopolíticas e econômicas (o que demanda, inclusive, ajustes constantes nas regras prudenciais emitidas pelo CMN), exigindo conhecimento amplo e especializado.

Observe-se que o órgão tradicionalmente competente para a instrução desses processos é a Coordenação-Geral de Suporte à Diretoria Colegiada, como está expresso no artigo 34 do Regimento Interno da PREVIC, aprovado pela Portaria PREVIC nº 861/2024. Desse modo, além de realizar a instrução, o órgão é responsável pela elaboração de Parecer, do qual deve constar fundamentação, avaliando as questões de fato e “de direito” pertinentes (art. 34, inciso IV, alínea “d”). Esse o documento que será submetido, ao final, à apreciação da Diretoria Colegiada da Superintendência - DICOL.

De outro lado, o Decreto nº 11.241/2022 dispõe sobre a estrutura regimental da PREVIC, não deixando dúvidas de que as atividades de consultoria e assessoramento jurídico no âmbito da autarquia são de competência da Procuradoria Federal Especializada (artigo 14, inciso III, do Anexo I). Parece-nos, assim, que a pergunta que dá título a este artigo deveria ser objeto de apreciação pela PFE-PREVIC, considerando o risco de judicialização em decorrência de injustificável limitação ao contraditório e à ampla defesa.

Veja-se que o artigo 33, inciso IV, do novo Regimento Interno da PREVIC em boa hora passou a exigir o posicionamento da Procuradoria Federal Especializada após a elaboração do Parecer da Coordenação-Geral de Suporte à Diretoria Colegiada. É um avanço bem-vindo, pois traz maior segurança jurídica para o segmento e para os administradores das reservas dos planos.

A previsão de manifestação da Procuradoria Federal Especializada nos processos sancionadores representa um aprimoramento importante. No entanto, é necessário se avançar mais. E isso passa por compreender que a valorização da prova testemunhal e pericial não enfraquece a atuação sancionadora da autarquia – ao contrário, a torna mais legítima, técnica e juridicamente respaldada.

[1] Advogada formada pela Universidade de São Paulo especializada em previdência complementar, membro do Conselho Deliberativo do IPCOM - Instituto de Previdência Complementar e Saúde Suplementar, presidente da Comissão Especial de Previdência Privada da OAB-SP.

[2] Procurador Federal da Advocacia-Geral da União, mestre em direito previdenciário pela PUC-SP, MBA em Finanças pelo IBMEC, membro do IPCOM. Foi Procurador-Chefe da Superintendência Nacional de Previdência Complementar - PREVIC.

(18.07.2025)