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O risco das associações de proteção veicular para sociedade em debate no 4º Seminário Jurídico

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O último painel do 4º Seminário Jurídico, que encerrou o evento, realizado na tarde de 29 de novembro, abordou o tema do exercício irregular da atividade seguradora e do chamado “mercado marginal dos seguros”, tendo como participantes os ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gurgel de Faria (moderador) e Og Marques Fernandes, além do Procurador Geral da Susep, Jezhiel Pena Lima, e do Presidente da Porto Seguro, Roberto Santos.  

O Ministro Og Marques Fernandes, o primeiro a ter a palavra, pautou sua apresentação pelas decisões proferidas em uma Ação Civil Pública (ACP) impetrada pela Susep contra uma associação de proteção veicular. Na sentença, proferida em 2013, a atuação da associação foi considerada ilícita, sendo determinada a suspensão imediata de suas atividades securitárias em todo o território nacional. De acordo com o juiz do processo, faltava à associação a garantia de que os seus associados teriam o seu direito assegurado em eventual sinistro. Além disso, a associação em questão não cumpria exigências legais, tais como o recolhimento de tributos e a formação de reservas técnicas, situação que representava risco para os consumidores, além de configurar uma concorrência desleal às empresas que atuam de forma regular.  

Entretanto, em apelação interposta pela associação, em 2014, o TRF da 2ª Região considerou a sentença original improcedente, afirmando que não se verificou negociação ilegal de seguros por associação sem fins lucrativos, “instituída com o fim de promover proteção automotiva de seus associados”. Não havendo, portanto, “qualquer ilegalidade na simples associação para rateio de prejuízos”.  

A Susep, e a CNseg, na qualidade de terceiro prejudicado, formalizaram recursos especiais, que chegaram ao STJ em 2016 com parecer do Ministério Público Federal favorável ao provimento, alegando que os contratantes da proteção veicular não representavam “um grupo restrito de ajuda mútua ligado a uma categoria profissional ou localidade” e que a associação violava flagrantemente os artigos 24, .78 e 113 do Decreto –Lei 73/66.  

Em 2018, o recurso da Susep foi julgado pelo STJ, tendo como relator o Ministro Og Marques Fernandes, e reestabeleceu a sentença original, entendendo que o produto disponibilizado pela associação se traduzia em um típico contrato de seguro, que não poderia ser considerado um seguro de ajuda mútua, pois “o serviço intitulado de proteção automotiva é aberto a um grupo indiscriminado e indistinto de interessados”  

Og Marques Fernandes afirmou que esse foi o primeiro caso analisado no âmbito do STJ sobre a matéria, mas “seguramente não será o último”, complementou. Com base no processo citado, contendo avaliações distintas por parte do Poder Judiciário a respeito da legalidade da atuação dessas associações de proteção veicular, o Ministro afirmou que é bastante expressivo o número de ações versando a matéria no Poder Judiciário, sendo necessária a sua pacificação, de forma a privilegiar a segurança jurídica, a ampla concorrência leal entre os atores do mercado e a proteção e o amparo dos consumidores.   

O Presidente da Porto Seguro, Roberto Santos, iniciou sua apresentação lembrando que as associações de proteção iniciaram suas atividades com o ramo de veículos, mas já estão expandindo para a oferta de outros tipos de seguro, como proteção para residências e para vidas.   

De acordo com ele, o custo do produto de proteção veicular oferecido por essas associações é cerca de 30% menor que o de um seguro de automóvel por não contar com uma regulação específica, não possuir a mesma carga tributária e nem mesmo as mesmas garantias de solvência. 

Em 2020, informou Roberto Santos, as seguradoras que operam no ramo de seguro de automóveis constituíram R$ 8,3 bilhões em provisões técnicas para fazer frente às suas obrigações e garantir a solvência de suas empresas. Por sua vez, as associações de proteção veicular, com seus estimados seis milhões de clientes, não constituem reservas e deixam de recolher aos cofres públicos aproximadamente R$ 1,2 bilhão ao ano em despesas com tributos, tributação sobre o lucro e imposto sobre os prêmios.   

O Presidente da Porto Seguro também lembrou que, enquanto as seguradoras estão sob a regulação da Susep e sujeitas ao Código de Defesa do Consumidor (CDC), os associados dessas associações não são encarados como consumidores e, portanto, não podem recorrer ao CDC e nem à Susep. Em relação ao pagamento das indenizações, enquanto as seguradoras têm um prazo máximo estipulado para realizar o pagamento, as associações dependem do caixa disponível e não possuem data definida para esse pagamento, que pode até ser parcelado ou mesmo não ser integral.  

Atualmente, informou, há 13 Projetos de Lei que visam à regulamentação das associações de proteção veicular e o setor segurador é favorável a uma legislação que defina critérios claros de organização e funcionamento, fortalecendo, assim, um mercado regulado de forma igualitária.  

Roberto Santos finalizou sua apresentação deixando no ar uma questão: “A sociedade concorda em fomentar negócios e produtos que fragilizam a segurança dos consumidores?”  

O Procurador Geral da Susep, Jezhiel Pena Lima, apresentou-se em seguida, afirmando que o Decreto Lei 73/66 exige, para operação no mercado segurador, a autorização da Susep, e que as empresas tenham roupagem jurídica de sociedade anônima ou de cooperativa (estas últimas, restritas ao seguro agrícola, seguro saúde e seguro de acidentes de trabalho). Enquanto isso, as associações de proteção veicular, que não cumprem os requisitos expostos, já detém parte considerável do mercado de seguros, funcionando à margem da regulação, do monitoramento e da supervisão do Estado.   

Visando combater esse mercado, a Susep já impetrou centenas de Ações Civis Públicas e, em 2018, como já havia afirmado o Ministro Og Marques Fernandes, o STJ estabeleceu um precedente importante, chancelando a linha de combate a esse mercado marginal. Entretanto, afirmou o Procurador, apesar dessa evolução, a questão dos grupos restritos, que também ostentam um risco considerável, ficou, de certo modo, ressalvado pela tese de que as entidades que funcionam no modelo de autogestão, com um grupo restrito de associados, poderiam continuar a atuação sem a autorização da Susep, o que é, em seu entendimento, um ponto de preocupação.   

Citando o exemplo das entidades de autogestão na saúde suplementar, Jezhiel, lembrou que essas também são reguladas e supervisionadas por autoridade competente, no caso, a ANS, não podendo exercer suas atividades sem o monitoramento do Estado. E mesmo os consórcios, que têm menor capacidade de danos sociais, também precisam de autorização, no caso, do Banco Central, para operarem.  Assim, as associações, sejam as que funcionam em modelo de autogestão, sejam as que atuam com grupos irrestritos de associados, atuam com “grande risco de lesividade à sociedade”, pois não há um órgão estatal para fiscalizar suas provisões técnicas, seus modelos de governança e suas políticas de administração. Todo e qualquer tipo de atividade econômica que atue acumulando recursos de terceiros, afirmou, é tradicionalmente regulada e, quando isso não ocorre, cria-se “um prato cheio para a lesividade em grande escala dos consumidores”.   

Entretanto, afirmou o procurador, a repressão a essas instituições não tem funcionado a contento, pois, quando uma associação é impedida de continuar operando, ela rapidamente se reorganiza e os mesmos diretores abrem uma nova associação, continuando suas atividades.  Segundo ele, as iniciativas legislativas de combate às associações não têm avançado também, sendo certo que qualquer lei que autorize seu funcionamento, mas não as enquadre em um modelo de regulação, fará com que os riscos permaneçam, concluiu.   

Assista aqui ao debate na íntegra.  

Fonte: CNseg, em 01.12.2021