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No mundo do trabalho com menos emprego é preciso repensar a proteção social, afirma José Roberto Afonso

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Por Débora Soares

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“Precisamos repensar a proteção social descolada da figura de emprego e salário, que é como construímos os sistemas de proteção social mundo afora após a 2ª Guerra Mundial. Nunca tivemos uma incerteza tão alta como agora, e ao mesmo tempo, isso está levando a um aumento muito forte da poupança precaucional. Nosso desafio é fazer essa ponte para transformar o que é a poupança do medo em poupança do futuro”, ressalta o economista José Roberto Afonso.

Consultor independente e professor do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa – IDP, José Roberto foi um dos palestrantes do painel “Mercado de trabalho e incentivos tributários para previdência privada”, realizado na última terça-feira no 3º Seminário Internacional de Previdência Complementar. O evento, que continua nesta quinta-feira, é realizado pelo Ministério do Trabalho e Previdência, por meio da Subsecretaria do Regime de Previdência Complementar, e conta com patrocínio da Abrapp e apoio do ICSS.

O Diretor-Presidente da Abrapp, Luís Ricardo Martins, foi responsável pela moderação do painel, que contou também com palestra da consultora independente de políticas e pensões no Reino Unido, Jackie Wells.

Debate fundamental – “É uma honra participar de mais um evento internacional organizado com muito carinho, muita profundidade, trazendo referências, pensadores para debater esse tema tão fundamental para a população brasileira, que é a previdência privada em especial”, destacou Luís Ricardo, ao enaltecer a iniciativa da SURPC.

O Diretor-Presidente da Abrapp afirmou há grandes mudanças em curso na sociedade, com o surgimento de novas relações de trabalho, e redução da tradicional relação empregado-empregador. Nesse ambiente, há o desafio para a previdência privada alcançar as novas gerações, o nativo digital e proteger o maior número de pessoas.

Para isso, as pessoas devem ser estimuladas para formar poupança de longo prazo, sendo os incentivos tributários de grande relevância, adicionou Luís Ricardo. “Em especial para o indivíduo de baixa renda, que faz a declaração (IRPF) simplificada e precisa ter um incentivo para poupar”.

Durante o painel, Luís Ricardo destacou as propostas debatidas pelas Abrapp, junto ao governo e aos parlamentares, como a alíquota zero para quem poupar por mais de 20 anos e a extensão dos incentivos para as empresas que pagam o IR no regime do lucro presumido e para microempreendedores individuais. O Diretor-Presidente ressaltou a importância desse diálogo e lembrou que na recente discussão sobre a reforma tributária as EFPCs conseguiram, após ampla mobilização da Abrapp e suas associadas, a manutenção do direito ao diferimento tributário do IR para os planos de benefícios.

Trabalho sem emprego – Trabalho não é mais sinônimo de emprego, afirmou o economista José Roberto Afonso, na palestra “Novas relações de trabalho e a previdência privada no Brasil”. Segundo José Roberto, essa transformação já estava em curso há quase uma década e foi consolidada na pandemia de COVID-19. Trabalhar sem ser empregado é, no caso particular brasileiro, uma realidade não só para as pessoas de baixa renda, mas inclusive para as de alta renda e mais qualificadas.

José Roberto acrescentou que nesse ponto o Brasil é muito diferente de outras economias em desenvolvimento e já desenvolvidas, onde se tem muitos trabalhadores ocupados, sobretudo na informalidade – no caso dos trabalhadores de baixa renda. “No caso brasileiro, o grau de formalização da economia é muito alto, sobretudo passando pelos regimes tributários simplificados, lucro presumido, simples e MEI. E você tem dentro desse trabalho independente trabalhadores de alta renda bastante qualificados”.

Alcance limitado – Contudo, observou o economista, os atuais incentivos tributários para a poupança previdenciária acabam deixando grande parte dessa população de fora, por ser um modelo ainda pensado para empregadores e empregados – e ainda assim o alcance para esse público é restrito. “São dois fenômenos diferentes e distintos: primeiro, você contribui para a previdência e não consegue aproveitar no imposto de renda tudo o que contribui (limite de 12% da renda tributável); e, segundo, você contribui muito pouco para a previdência privada, proporcionalmente ao potencial que se teria no caso brasileiro, mesmo com o que se pode fazer de dedução no IR”.

Segundo o economista, esse potencial poderia subir muito, por exemplo, se na proposta de Reforma do IR, em vez de se tributar na fonte os lucros e os dividendos, eles fossem levados para a tabela progressiva. “Com isso, você estimularia esses trabalhadores que são remunerados na forma de lucro a também pouparem, contribuírem para a previdência, e poderem abater do seu imposto de renda, da mesma forma que os trabalhadores empregados com carteira assinada”.

Novo contexto previdenciário – A pandemia de COVID-19 consolidou uma tendência que já estava em curso há quase uma década no país, observou José Roberto. Em 2014, os empregados com carteira assinada representavam 42% do total da população ocupada, enquanto os donos de negócios, empregadores e autônomos eram 26,9%. Em 2021, o percentual de empregados caiu para 36,1%, e o de donos de negócios cresceu para 32% da população ocupada. Segundo dados do IRPF 2019, há uma relação de 1,31 empregado com carteira assinada para cada 1 capitalista empregador.

Segundo José Roberto, o contexto do “novo normal previdenciário” exige o enfrentamento de questões importantes: como assegurar direitos do trabalhador em um mundo em que cada vez menos se terá emprego com carteira assinada; como gerar postos de trabalho com a crescente automação e como financiar a previdência baseada em contribuições sobre a folha quando salários deixam de ser a forma de renda dos trabalhadores.

O especialista afirmou que essas tendências e caminhos para soluções foram apontados nos estudos realizados em parceria com a Abrapp e no anteprojeto da Lei Geral de Proteção à Poupança Previdenciária. “O momento é mais oportuno do que nunca para começarmos a pensar e a olhar para a poupança previdenciária não mais como complementar ou suplementar, mas como forma principal de oferta de proteção no futuro para esses trabalhadores que estão à parte dos regimes atuais; ou são pouco atendidos ou simplesmente não existem para fins do sistema previdenciário básico oficial do país”, ressaltou José Roberto.

Princípios para uma reforma tributária – O Brasil e o Reino Unido estão enfrentando muitos desafios semelhantes, com as mudanças na economia, no tipo de força de trabalho e nos aspectos demográficos, observou Jackie Wells, consultora independente de políticas e pensões na nação formada por Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte. Ela conduziu a palestra “Princípios para uma reforma tributária de previdência privada”.

Jackie ressaltou que o debate sobre a tributação das pensões é tema que surge a cada dois ou três anos no estado soberano. “Muito dessa discussão no Reino Unido apresenta dois fatores: por um lado, há muitas pessoas que veem o regime como favorecendo as classes altas; e, por outro, uma preocupação sobre o aumento da tributação nas pensões ou no sistema previdenciário”, observou a consultora.

Jackie esclareceu que no UK a tributação acontece na hora do recebimento do benefício, no sistema EET (isenção para contribuições individuais e para as feitas por empregadores e no retorno de aplicações dos ativos, existindo, porém, taxação sobre os benefícios). Dentre os principais incentivos do sistema britânico para os poupadores é ter a parcela de 25% dos pagamentos na aposentadoria livres de impostos.

Inscrição automática – Uma das razões para que o assunto da tributação das pensões estar tão premente no Reino Unido, observou a consultora, foi o grande aumento no número e na proporção de trabalhadores contribuindo para o sistema após a introdução da inscrição automática. “10 milhões de trabalhadores foram inscritos e permaneceram contribuindo. Com isso, surgiu o debate do custo em relação ao benefício fiscal e as desigualdades dentro do sistema”, disse Jackie. “Houve uma duplicação no número de pessoas dentro desse sistema previdenciário”.

Ela observou que havia uma disparidade em que 75% dos pagamentos de aposentadoria estavam sujeitos a taxas no Reino Unido, desde 1947, e houve alterações realizadas pelo governo nas reformas tributárias mais recentes. “Tivemos em 2006 uma reforma tributária muito grande, onde o benefício fiscal foi alterado e passou a ser definido em contribuições e limites nominais, e temos patamares diferentes para isso. Mas o mais importante, desde 2014, é o limite nominal (para isenção fiscal de contribuições) para quem tem renda laboral de 40 mil libras por ano ou 100% da renda se inferior a esse patamar”.

No sistema britânico, há vários incentivos para a formação de poupança previdenciária. Os trabalhadores que estão sem renda, mas já fizeram algum tipo de contribuição previdenciária recebem benefícios fiscais. Os de baixa renda também conseguem benefícios ou descontos fiscais sobre suas contribuições previdenciárias, mesmo sem estar pagando impostos, uma espécie de “bônus” para quem conseguiu economizar para formar uma poupança de longo prazo. “Esse sistema vai ser estendido a todos os tipos de regime; se o cidadão não é um contribuinte, mas participa do plano de algum fundo de pensão ele também poderá ter esse benefício fiscal”, destacou Jackie. Ela acrescentou que o sistema prevê limitações nos benefícios pagos a contribuintes com renda superior a 200 mil libras – restrição que impacta menos de 1% da população total. “Menos de 15% recebem mais do que 40 mil libras”.

Princípios da PLSA e educação – A especialista também apresentou uma perspectiva internacional mais abrangente sobre o tema, comentando os princípios observados pela OCDE e pela PLSA – Pensions and Lifetime Savings Association para reformas tributárias sobre as pensões. No caso da PLSA, destacam-se os seguintes princípios: promover da adequabilidade, no apoio financeiro e incentivos para a poupança previdenciária; facilitar o entendimento das pessoas para que tomem decisões corretas na opção pelo sistema; ajudar todos (empregados, autônomos e desempregados) a poupar para a previdência; ser de simples adoção e administração, evitando custos desnecessários ou pouco razoáveis de transição e manutenção; e ser resiliente e sustentável, com construção de confiança para a poupança do longo prazo, mesmo diante de cenários de incerteza.

Com o aprendizado das reformas já realizadas, Jackie destacou a importância da educação para que as pessoas consigam entender os benefícios fiscais que podem obter com a formação de poupança previdenciária. “Talvez seja o caso de educarmos melhor as pessoas e não simplesmente tirar ou colocar incentivos fiscais para mudar o comportamento delas”.

Fonte: Abrapp em Foco, em 02.12.2021.