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Limites e garantias: a defesa no âmbito do processo administrativo sancionador das EFPC

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 Cristiane I. Matsumoto
Mariana Monte Alegre de Paiva
Eduardo Kauffman Milano Benclowicz
Sócia e associados de Pinheiro Neto Advogados

Recente decisão proferida pela Câmara de Recursos da Previdência Complementar (“CRPC”)[1] chama a atenção para a discussão a respeito dos limites e garantias do processo administrativo sancionador no âmbito das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (“EFPC”)[2].

No caso concreto, a CRPC analisou a possibilidade de aplicações de sanções – multas e inabilitação/suspensão do direito de ocupação de cargo – tanto a membro da Diretoria Executiva quanto a integrante Comitê de Investimentos, por supostamente terem aplicado os recursos garantidores das reservas técnicas, provisões e fundos de planos de benefícios em desacordo com as diretrizes estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional (“CMN”), especificamente em operação de aquisição de Cédulas de Crédito Imobiliário (“CCIs”) de empresa de responsabilidade limitada sem a correspondente garantia real, requisito à época exigido[3].

A decisão proferida pela CRPC é relevante, a nosso ver, ao tratar de questões processuais trazidas pelos indivíduos autuados, evidenciando a necessidade de se discutir com precisão os contornos, limites e desafios de cada um dos institutos processuais abordados.

O primeiro aspecto que merece destaque é a contagem do prazo prescricional para fins de apuração de infrações nos EFPC. De acordo com a legislação, a Secretaria da Previdência Complementar tem 5 anos contados da data da prática do ato para propor a ação punitiva cabível[4].

Note-se que o artigo 33 do mencionado Decreto traz 3 causas de suspensão da prescrição, quais sejam: (i) a notificação do autuado, inclusive por meio de edital; (ii) qualquer ato inequívoco que importe apuração do fato; ou (iii) decisão condenatória recorrível.

Dentre as causas de suspensão, a que chama mais atenção é a segunda – qualquer ato inequívoco que importe apuração do fato. Afinal, o que deve se entender por ato inequívoco que importe apuração do fato? O início de procedimento de fiscalização genérico em face da EFPC teria o condão de suspender a prescrição relativa a atos praticados por seus administradores? Solicitações de documentos igualmente genéricas também implicariam suspensão do prazo prescricional?

No processo em discussão, o ato questionado – qual seja, a aprovação do investimento em CCIs – ocorreu em 17.5.2011, tendo o Auto de Infração sido lavrado em 30.6.2016, após o transcurso do prazo de 5 anos, o que foi, evidentemente, objeto de questionamento pelos autuados.

Contudo, tendo em vista que em 4.2.2014 foi iniciada ação fiscal genérica com o objetivo de “verificação dos ativos adquiridos pela EFPC” e que foram solicitados documentos das EFPC, a CRPC entendeu que a requisição destes documentos teria força suficiente para interromper a prescrição.

A nosso ver, em consonância com o que restou consignado no Voto Divergente do Membro João Paulo de Souza, solicitações de documentos genéricos no âmbito de fiscalização de objeto igualmente amplo não poderiam configurar “ato inequívoco que impõe a apuração do fato”.

Somente a instauração de processo administrativo específico, em que se permita aos indivíduos fiscalizados o exercício do contraditório e da ampla defesa com relação aos atos que lhe são imputados, teria o condão de interromper o prazo prescricional, de forma que fiscalizações genéricas não poderiam ser tidas como atos com força suficiente para a interrupção do prazo prescricional.

No caso, cabe destacar que sequer foi conferido aos indivíduos o direito de se manifestar no âmbito da fiscalização, tendo sido informados da imputação dos atos infracionais apenas quando do recebimento dos respectivos Autos de Infração.

Caso o racional proposto venha prevalecer no âmbito da CRPC, qualquer fiscalização genérica teria o condão de suspender a prescrição de todo e qualquer ato praticado pelos administradores das EFPC o que, consequentemente, permitiria a extensão indevida do prazo prescricional.

O segundo aspecto que merece atenção diz respeito aos limites da instrução probatória no âmbito do processo administrativo sancionador. Note-se que nos processos administrativos são garantidos os direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos[5].

A legislação ainda prevê[6], de forma clara, que as atividades de instrução são destinadas a averiguar e comprovar os dados necessários à tomada de decisões, realizando-se de ofício ou a pedido do órgão responsável pelo processo, sem prejuízo do direito dos interessados de propor atuações probatórias. Ainda, os elementos probatórios devem ser considerados na motivação do relatório e da decisão, para que a decisão seja devidamente fundamentada[7].

Assim, a legislação impõe como regra a produção das provas que os autuados entendem suficientes à confirmação do seu posicionamento – consagrando os princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e a busca pela verdade material que norteia o processo administrativo – tratando como exceção as hipóteses em que pode se determinar a sua dispensa.

No entanto, no caso concreto, a CRPC ratificou a recusa tanto da oitiva de testemunhas capazes de trazer novos elementos acerca do processo de decisão de investimento (produção de prova oral) quanto da produção de prova pericial técnica, sob o argumento de que a documentação juntada aos autos seria suficiente para a elucidação dos fatos, “nada impedindo que o defendente providencie, às suas expensas, os laudos periciais que julgar pertinentes para a sua defesa”.

O entendimento adotado, portanto, é que nada impediria a juntada dos documentos que os autuados julgassem pertinentes, assim como que já lhes teria sido concedida dilação de prazo para a apresentação de novas evidências. A despeito da possibilidade de se suscitar a ausência de fundamentação para o indeferimento da produção de provas, nos causa maior preocupação o argumento dos Membros de que essas poderiam ser produzidas de forma independente.

Isso porque, como bem sabe, a força das provas produzidas no âmbito do processo administrativo, em que os Membros não apenas conhecem o seu escopo como também são capazes de conferir o exercício do pleno contraditório a outra parte, é substancialmente maior do que as das provas produzidas unilateralmente pelas partes, sob as quais sempre recai o risco da parcialidade.

Na nossa visão, a produção de provas no âmbito do processo administrativo se constitui como direito das partes, fundamentado nos princípios constitucionais do contraditório e de ampla defesa, podendo apenas excepcional e fundamentadamente ser mitigado/limitado pelas autoridades competentes.

Por fim, o terceiro e último aspecto que vale mencionar diz respeito à necessidade de que se promova a individualização das condutas quando da apuração de uma infração. Um dos princípios intrínsecos ao Direito Penal é que, quando da imputação de um ilícito, é vedado as autoridades descreverem condutas de forma genérica e impessoal, devendo haver a individualização dos atos por agente envolvido, ainda que estes tenham agido em concurso[8].

A individualização das condutas, portanto, não apenas garante que cada um dos envolvidos seja responsabilizado pelos atos que lhe são imputáveis, como também lhes permite exercer plenamente o contraditório e ampla defesa, devendo ser assegurada aos acusados quando da imputação dos ilícitos no âmbito do regime da Previdência Complementar[9].

Porém, no caso analisado, nos parece que as autoridades administrativas se esquivaram do seu dever de individualizar as condutas realizadas por cada um dos membros da EFPC, tendo indevidamente presumido que ambos os autuados participaram tanto da fase de aprovação do investimento quanto do posterior monitoramento.

Não obstante, um dos autuados, poucos meses após a aprovação do investimento, deixou de compor os quadros da EFPC, de forma que nem que desejasse teria o poder de interferir – e eventualmente corrigir os erros cometidos – na fase de monitoramento. A nosso ver, portanto, a decisão deixou de reconhecer a atenuante a esse autuado, ao qual não deveria ser imputado qualquer ato posterior à sua saída do cargo na EFPC.

Nos parece que essa decisão é importante e deve gerar uma série de reflexões sobre os direitos e garantias das partes no âmbito dos processos administrativos sancionadores das EFPC, cabendo aos autuados, quando do recebimento de Autos de Infração, se atentarem a estes aspectos e questionarem eventuais ilegalidades.


[1] Processo nº 45183.000004/2016-09.

[2]Atualmente regulamentado pelo Decreto nº 4.942/2003, nos termos do artigo 66 da Lei Complementar nº 109/2001, e pela Lei nº 9.784/1999, que disciplina o processo administrativo federal.

[3]Artigo 18 da Resolução CMN nº 3.792/2009 então vigente.

[4]Artigo 31 do Decreto nº 4.942/2003.

[5]De acordo com o artigo 2º, § único, inciso X da Lei nº 9.784/1999.

[6]Vide artigo 29 da Lei nº 9.784/1999.

[7]Conforme o artigo 38 da Lei nº 9.784/1999.

[8]Vide artigo 41 do Decreto-Lei nº 3.689/1940 (Código de Processo Penal).

[9]Artigos 63 a 110 do Decreto nº 4.942/2003.

(Em 28.02.2019)