Crônica de uma Morte Anunciada

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Por Gloria Faria (*)

gloria faria 2019Tal como no romance de Gabriel Garcia Marques a tragédia de Brumadinho pode ser qualificada como “anunciada”. Também parafraseando a trama do escritor colombiano, muitos, mas muitos mesmo sabiam da iminência da tragédia e nada fizeram. 

Sem a necessidade de sonhos premonitórios ou presságios, após o rompimento da barragem do Fundão, também em Minas Gerais e também controlada pela Companhia Vale S/A - veio a público que um grande número de barragens de resíduos de minério se encontrava em situação de risco. Três anos passados nova tragédia a se confirmar ainda maior.

O desastre de Mariana cujos 34 milhões de m³ de lama afetou 663,2km de corpo d’água dos estados de Minas Gerais e do Espirito Santo e contaminou 170 km de praias do ES, parece prestes a perder sua triste posição de maior desastre ambiental brasileiro.

A barragem do Córrego de Feijão, em Brumadinho, construída em 1976, também no modelo de alteamento a montante, abrigava um volume de 11,7 milhões m³ de rejeitos de minério, encontrava-se inativa e recebera em dezembro passado licença para o “reaproveitamento dos rejeitos e encerramento das atividades”.

O método de alteamento certamente é o mais barato, mas também o menos seguro. Por falta de uma base sólida a barragem é mais fácil de romper-se e na opinião do Professor de engenharia geotécnica da Coppe/RFRJ WILLY LACERDA, uma verdadeira “bomba-relógio”. [1]

As últimas notícias dão conta que a Vale irá eliminar, em Minas Gerais, 10 barragens construídas com o modelo de alteamento a montante, suspendendo a produção nas minas da região, o que se resultará em uma queda de 10% da produção de minério no país.

O Brasil tem um passivo de 50 anos de construção e cerca de 130 barragens nesse modelo, afirma CARLOS BARREIRA MARTINEZ [2] , agravado pelos vários bilhões de reais e as 4 décadas que serão necessárias para os trabalhos de descomissionamento das barragens em situação de risco e mitigação dos danos ambientais.

Ainda não finais, os números de Brumadinho até agora, 99 mortos e 259 desaparecidos, já superam em muito os do desastre de Mariana [3]. Quanto aos impactos, os prejuízos econômicos e ecológicos, eles só poderão ter uma avaliação mais precisa na segunda quinzena de fevereiro, época prevista para a lama alcançar (ou não) o Rio São Francisco.

Refletindo sobre o recente e devastador episódio, não posso deixar de concluir que se não pertence ao realismo fantástico de Garcia Marques, seu estilo é de tragédia grega, em que ao final se confirma o vaticínio dos oráculos. Em ambos os desastres, muitos sabiam - e pouco, ou nada fizeram.

[1] Na página 6 do primeiro Caderno de O Globo de 29/01/209 – artigo a Tragédia se repete- Técnica da Vale para barragem é vetada no Chile.

[2] Pesquisador da UFMG, especialista em engenharia hidráulica no G1 - https://g1.globo.com/economia/noticia/2019/01/28/entenda-como-funciona-a-barragem-da-vale-que-se-rompeu-em-brumadinho.ghtml

[3] Mariana, 18 mortos e um desaparecido.

(*) Glória Faria é advogada, formada pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ, com mestrado ‘latu sensu’ em Direito Empresarial pela Universidade Cândido Mendes com Certificação em Didática de Ensino Superior, IAG Master em Seguro da PUC-RJ, especialização em Previdência pela UERJ, Presidente do Conselho da Associação Internacional de Direito de Seguros – AIDA Seção Brasil, período 2016/2018. Membro da CEDSS - Comissão Especial de Direito Sanitário e Saúde da OAB-RJ, Consultora Jurídica da CNSeg.

Rio de Janeiro, 31 de janeiro de 2019