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Covid – 19, Tempo de Oportunidades e Desafios

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 Por Gloria Faria (*)

gloria faria 2019Definitivamente, 2020 ficará marcado como o ano, se não o mais devastador, certamente o mais disruptivo da nossa era. A pandemia da Covid-19 que gerou a um só tempo três grandes crises interligadas - sanitária, social e econômica - provavelmente será considerada o marco real do início do terceiro milênio.

Uma semana após a declaração de pandemia da Covid-19 [1] pela Organização Mundial da Saúde e a orientação de afastamento social o mundo já não era o mesmo. A alteração das formas e do local de trabalho, que passou do ambiente corporativo para o regime de home office - foi o primeiro desafio e o início da enorme mudança que estava por vir. As atividades laborais, bem como as escolares, invadiram a sala de jantar e o quarto das famílias e passaram a conviver com todos os problemas domésticos, exceção feita às atividades essenciais que mantiveram seus trabalhadores nas ruas, hospitais, etc.

A necessidade de adaptação não só dos meios de comercialização de produtos e serviços, aí compreendidos os seguros e sua corretagem, exigiu a reformulação e criação de novos produtos e serviços que viessem atender a, até então, impensadas necessidades.

Nos acostumamos a ouvir que, para além dos seus efeitos destruidores, as crises também trazem oportunidades.

Passado o primeiro desafio de migrar para o regime de home-office e completar a digitalização dos processos a forceps, o setor mergulhou na busca das oportunidades. Dirigiu o foco para a cobertura de novos riscos, a flexibilização de prazos, contratação agilizada, uma corretagem mais dinâmica, alicerçada na função de efetiva assessoria ao cliente a à pós-venda.

As novas tecnologias, incluindo várias aplicações da robótica e outros recursos da Inteligência Artificial (IA), assim como a expansão do uso dos algoritmos, cresceram como cogumelos em temporada de chuva e passaram a fazer parte da operação cotidiana das empresas. Esse embarque de tecnologia trouxe uma agilidade e capacidade de inovação imprescindíveis em tempos tão voláteis. A telemedicina se firmou em definitivo na rotina de atendimentos dos planos e seguros de saúde. E passou a ser oferecida, gratuitamente, por um período de 90 dias, para os clientes que fizerem a contratação online de um seguro de roubo ou furto qualificado na compra de equipamentos de uma rede de varejo parceira da companhia [2].

O exemplo de captura de oportunidade, que deixará sua marca para além dos tempos da pandemia, foi a atitude louvável das seguradoras de vida ao decidirem pagar o valor do seguro aos beneficiários de titulares vitimados pela Covid-19. Essas empresas responderam com ousadia e espírito social - virtudes que não me recordo de antes ter visto atreladas ao setor – em um momento em que a solidariedade mais que nunca está no topo da escala de valores e a rapidez pode ser a diferença entre chegar ou ficar para trás.

Ousadia e solidariedade ao garantir o pagamento de seguros em que a grande maioria das apólices de vida NÃO tinha cobertura para morte ou invalidez em consequência de epidemia ou pandemia, o que constava em cláusula de exclusão de risco, estando as seguradoras, portanto, desobrigadas do pagamento.

Outro exemplo é o lançamento de alguns produtos desenhados para atender às necessidades decorrentes do cenário de exceção e incerteza. São exemplo o seguro auto que se paga apenas pelo uso do veículo segurado em determinado corte temporal, ou aquele em que o segurado personaliza as coberturas e assistências que deseja contratar, e pode ser contratado e acionado pelo site ou aplicativo. Aqui cabe também menção a novos modelos de planos de previdência com valores menores de entrada e mensalidades também menores das comercializadas antes da pandemia, servindo de atrativo para um grupo mais jovem e com menor disponibilidade financeira que enfrenta o fantasma da insegurança.

A resposta veio ainda no mês de maio segundo dados da CNseg, que apontam para uma retomada do setor de seguros após uma forte queda de arrecadação em abril. No acumulado do ano, a receita foi de R$ 97,78 bilhões, uma queda de 5,62% na comparação com o mesmo período do ano passado.

O seguro auto teve crescimento mensal de 2,6%, enquanto as apólices de vida tiveram alta de 0,8% em maio. O seguro rural, o que mais cresceu, apresentou um aumento de 10,9% em maio ante o mesmo mês de 2019. O destaque ficou com a performance extraordinária do Vida Gerador de Benefício Livre - VGBL - que parece ter atraído uma população em busca de resposta à ameaça financeira e à incerteza gerada pela pandemia. O plano de acumulação teve uma expansão de 49,7% em maio e inverteu de queda para alta a arrecadação do setor como consta da Conjuntura CNseg Nº 24. O Presidente da CNseg [3] destacou no citado documento que o ingresso de mais R$78,7 bilhões de reservas, fez as provisões técnicas atingirem R$ 1,1 trilhão no ano, garantindo a solvência do setor.

Vale ainda ressaltar o crescimento de 100% dos seguros de riscos cibernéticos em comparação ao mesmo período de janeiro a maio de 2019, sendo que 40% desse volume de apólices foi contratado por pequenas e médias empresas.

Inegável, porém, que alguns ramos foram bastante atingidos, reflexo direto das perdas ocorridas nos setores correspondentes aos riscos segurados como é o caso dos seguros de grandes riscos que retraiu 58,1%; os de riscos de engenharia, com recuo de 28,9% ante abril; garantia estendida, com redução de 51,8%.

Entretanto, a agilidade com que as empresas fizeram a transição para o regime de teletrabalho e conseguiram desenvolver conectividade sinaliza para uma expectativa real de que continuarão atentas, acompanhando as alterações na cena econômica e investindo em tecnologia e na melhoria contínua de seus produtos e dos canais de atendimento.

Diligenciar no desenvolvimento dos canais de distribuição e formar uma parceria estreita com os corretores para uma venda cada vez mais acompanhada e personalizada será essencial. Não perder de vista o risco de fraude, mais comum em tempos turbulentos, também deverá estar na pauta de prioridades ao lado dos cuidados redobrados no combate aos crimes cibernéticos que, silenciosamente, encontram terreno fértil no grande aumento do uso da internet e no, em geral, menos protegido ambiente do home office.

Concluindo, a partir da acertada captura das oportunidades, como parte prioritária em sua estratégia, é que seguradoras e corretores de seguros deverão traçar um enfrentamento eficiente dos desafios, de modo a viabilizar o avanço e a sustentabilidade do setor e, paralelamente, contribuir para a recuperação da economia do país. Afinal o setor de seguros é, reconhecidamente, um grande investidor institucional e fortíssimo gerador de poupança interna.

[1] Covid - 19 chama-se a doença causada pelo virus da Sars – CoV -2, identificada na China, onde se originou, ainda no segundo semestre de 2019.

[2] A campanha tem validade até 24 de julho.

[3] MARCIO Serôa de Araújo CORIOLANO é o atual presidente da Confederação Nacional das Seguradoras (abril 2019/abril 2022).

(*) Gloria Faria é Advogada, Conselheira da AIDA Brasil, Organizadora da Revista Jurídica de Seguros da CNseg, Sócia de MOTTA, SOITO & SOUSA Advocacia Empresarial.

21.07.2020