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Concentração e competitividade no setor segurador brasileiro

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Por Marcio Serôa de Araujo Coriolano (*)

Nos últimos anos, com a crescente globalização e integração de mercados, a preocupação com o nível de concentração e de competitividade entre empresas de setores econômicos tem sido mais presente. O setor segurador brasileiro, por desempenhar importante papel para a acumulação de capitais, proteção de patrimônios e rendas de empresas e famílias, e progresso econômico, tem estado na mira das autoridades reguladoras quanto à avaliação de seu padrão concorrencial.

A concentração pode ser medida, sem maior rigor, pelo Concentration Ratio (CR), índice que expressa a participação das "n" maiores empresas em um dado setor. Não obstante, índices de concentração como esse não distinguem situações em que existem poucas empresas daquelas em que há muitas empresas com fatias menores de mercado, além de não levar em consideração a distribuição entre as suas participações relativas.

Já o índice Herfindahl-Hirschman (HHI), utilizado pelos governos americano e inglês para avaliar fusões e incorporações de empresas, resolve esses problemas com um resultado que pode variar de uma escala de zero a 100%. O Departamento de Justiça dos EUA considera que um HHI inferior a 15% representa um mercado com baixa concentração empresarial, entre 15% e 25%, um mercado moderadamente concentrado e, superior a 25%, um mercado altamente concentrado.

Quando o HHI é aplicado ao setor segurador brasileiro em comparação com os EUA, a maioria dos segmentos analisados fica na faixa considerada de baixa concentração. Como exemplos, em 2018 os seguros de patrimônios e responsabilidades nos EUA apresentaram um índice de concentração de 3%. No Brasil, esse índice foi levemente mais alto - ficou em 4,9%. Dentro dos seguros de patrimônios, o seguro de automóveis ficou em 6,4% nos EUA e 9,6% no Brasil; já os seguros residenciais atingiram 6% nos EUA e 10,4% no Brasil. No caso dos seguros de vida, os EUA foram classificados com índice de 2,8% e o Brasil com 7,5%, de novo, ambos na faixa de baixa concentração.

Mesmo com números na mesma escala, é ainda importante ressaltar que as frequentes comparações com os Estados Unidos não consideram fatores externos à metodologia do HHI, como características sociais, culturais e econômicas de cada país. Pelo lado dos que compram seguros, segundo dados do Banco Mundial, os americanos têm uma renda média sete vezes maior do que a brasileira, e esta renda é menos concentrada. Pelo lado de que oferece, a facilidade de fazer negócios nos EUA é muito maior que no Brasil. Pelo índice Ease of Doing Business, também do Banco Mundial, numa escala que vai de 0 a 100, o Brasil é avaliado com nota 59, e os EUA com nota 84.

Além disso, os EUA têm uma estrutura regulatória peculiar, com um órgão regulador do mercado de seguros para cada Estado, o que influenciou decisivamente a formação de um padrão de concorrência local, de modo diverso do Brasil. Ainda é importante também ressaltar que alguns seguros podem ter maior grau de concentração empresarial simplesmente porque são mercados em que a mera presença de poucos ofertantes dispostos a competir não implica menor eficiência. Um exemplo é a experiência do Chile após a reforma da previdência, que resultou em muitas empresas fracas, que acabaram quebrando. Outro exemplo são aqueles segmentos com grande participante estatal, como, no Brasil, o seguro habitacional e o seguro rural. Nesses casos, o governo pode fazer muito mais pela concorrência do que as empresas privadas.

Finalmente, e segundo estudos econométricos promovidos pelo European Centre for International Political Economy (ECIPE), níveis elevados de regulação de mercados estão associados a níveis mais altos de concentração e mais baixos de competitividade, ou seja, o ativismo regulatório dos governos exerce impacto direto no nível de concorrência. Um cenário como esse tende a amedrontar potenciais novos entrantes e, indiretamente, sedimentar posições dos existentes, desestimulando a competição baseada na eficiência, que sempre traz positivas inovações relacionadas aos produtos e aos canais de sua distribuição.

(*) Marcio Serôa de Araujo Coriolano é economista e presidente da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg).

23.03.2020