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Atuária e tecnologia: a convergência no combate à fraude

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SAS - Ricardo Saponara - Horizontal

Com as novas tecnologias, que capturam e analisam dados, o trabalho do atuário ganhou nova dimensão, inclusive na prevenção, detecção e combate à fraude.

Da subscrição de riscos ao atendimento ao cliente, as novas tecnologias estão transformando as operações de seguros. Com o uso de bots (robôs), machine learning (máquinas que aprendem por repetição) e wearables (sensores que captam dados) entre outras, algumas empresas do setor têm ganhando rapidez, reduzido custos e mudado a experiência do cliente. Mas, esta revolução está apenas começando e promete causar novas disrupções. Este é o caso, por exemplo, das ações de prevenção e detecção de fraudes em seguros, uma área em que as tecnologias de captura, armazenamento e análise de dados, como IoT (internet das Coisas), Big Data e Analytics, podem fazer a diferença.

Fraudes oportunistas, como, por exemplo, o empréstimo da carteirinha do plano de saúde, é uma das práticas que podem ser detectadas com o uso de tecnologias. O especialista em seguros e Líder da Prática de Prevenção às Fraudes, Abusos, Desperdícios e Crimes Financeiros para a América Latina do SAS, empresa líder de mercado em Analytics, Ricardo Saponara, afirma que o uso de estatísticas pode prever comportamentos, seja de beneficiários ou de prestadores de serviços, detectando até a quebra dos valores de reembolso nos planos de saúde, prática comum para evitar que os gastos ultrapassem o limite.

Em entrevista concedida ao diretor da Editora Roncarati, Pedro Roncarati, Saponara informou que a partir de dados de data e hora em conjunto com a geolocalização é possível identificar o quão rápido o indivíduo fez o tratamento e onde estava em dois momentos. “Se ele atravessou, por exemplo, um percurso de 500 km/h para estar em dois pontos ao mesmo tempo, isso é inadmissível”, disse. O especialista também citou a tecnologia de biometria, que traz dados de reconhecimento facial e digital, além do celular, que informa a localização do indivíduo. “Inclusive, o mapeamento e a estrutura de georeferência dos próprios aplicativos, coletados por operadoras, fornecem dados que o seguro pode utilizar”, acrescentou.

Entretanto, de nada adianta dispor de tecnologias avançadas se a base de dados não for consistente. “Se desejo, por exemplo, validar a premissa de que a cor dos olhos do indivíduo influencia na sua sinistralidade, algo possível atualmente, preciso capturar informações e, em quatro ou cinco meses ter dados suficientes para testar e confirmar essa hipótese”, disse. Por outro lado, a ausência de dados inviabiliza esse trabalho. “Se não tiver base de dados, nada pode ser feito. Daí, será uma interferência totalmente subjetiva, na base do achismo. As estatísticas vêm para derrubar o achismo, trazendo evidências concretas das hipóteses”, disse.

Os atuários e as tecnologias

Atuário, com diversas especializações e passagens por importantes seguradoras, Saponara também se tornou estudioso das tecnologias digitais. Em sua visão, o cientista de dados, profissão recente que analisa o Big Data, tem como precursor o atuário. “Sempre fez parte das funções do atuário analisar os dados para identificar as correlações com os sinistros e por meio de técnicas matemáticas e estatísticas calcular os prêmios”, disse. Ele explicou, inclusive, que o mutualismo em seguros coletivos era feito em grupos de seguros por causa da falta de capacidade tecnológica das seguradoras de individualizar o cálculo. Mas, a tecnologia mudou essa situação.

“Hoje, as seguradoras querem dar tratamento individual às situações coletivas, para identificar os bons e maus segurados e até para informar ao estipulante o perfil de seus funcionários”, disse. Para Saponara, essa tendência irá avançar, sobretudo no seguro automóvel, que já enfrenta disrupção após o advento do modelo Uber. Ele supõe que segurados que preferem os carros de aplicativos a ter de dirigir, não estarão mais dispostos a pagar o preço de um seguro anual, que considera riscos que deixaram de existir. Com as tecnologias como IoT, que capturam dados de onde o veículo está, ele prevê que os contratos anuais ficarão mais baratos para os carros que permanecerem a maior parte do tempo na garagem. Ou seja, o seguro cobrirá apenas os momentos de deslocamento do veículo.

As possibilidades de controle são tantas que Saponara imagina um cenário em que o motorista que se deslocar para o litoral receberá imediatamente a cotação do seguro para cobrir o seu trajeto até o destino. “Ele pode receber um desconto porque optou por determinada rodovia e, se quiser, adicionar um limite de RCF, como se fosse um seguro viagem”, disse. O mérito dessas transformações pode ser atribuído, em parte, à chegada das insurtechs. “Estas empresas vieram para complementar as deficiências das seguradoras, que por serem gigantes não conseguem evoluir de forma tão rápida no ambiente tecnológico”, disse.

Saponara cita, inclusive, a ferramenta estatística SAS, que ele utiliza desde o início de carreira. “Trata-se de uma ferramenta preditiva, de previsões futuras, que ajuda muito o atuário”, disse. Uma das soluções da SAS, segundo ele, é o stream processing, que calcula os volumes massivos de dados com o uso de IoT. “Além do preço, a solução calcula todos os processos de aceitação, de contratação de novos funcionários, cadastros de prestadores de serviços e, ainda, qual a propensão de aceitação da proposta, possibilidade de fraude e até de ações judiciais”, disse.

Conceito e causas da fraude

Responsável na SAS pelo combate à fraude em toda a América Latina e não apenas no ramo de seguros como em todos os segmentos, Saponara adquiriu uma visão global dessa prática criminosa, desenvolvendo suas próprias convicções. Uma delas é que a fraude é o oposto da honestidade. Ainda que seja impossível na sociedade atual alcançar o grau máximo da honestidade, ele enxerga um limite tolerável. “Se recebemos um presente que não gostamos e mesmo assim agradecemos, a desonestidade não está vinculada à parte financeira, mas tão somente para proteger o outro da verdade, para ter uma relação melhor”, explica.

Na avaliação de Saponara, o ramo mais afetado pela fraude é o saúde. E os fraudadores estão presentes em toda as etapas da indústria, incluindo segurado, prestador de serviços, médico, clínica e hospital. No caso do corretor de seguros, ele citou o exemplo do profissional que para não perder a sua comissão não se importa de colocar negócios ruins em operadoras, ainda que precise a cada ano trocar de operadora. Outra situação comum é a fraude interna, para a qual muitas empresas não estão preparadas. Do lado externo, o ataque de hackers que roubam informações de segurados também é frequente. Segundo o especialista, no ramo saúde, as estatísticas indicam que a fraude atinge 30% dos negócios.

Mas, a atual configuração dos planos de saúde acaba estimulando a fraude, segundo a opinião de Saponara. “A regulamentação que impede o reajuste dos planos de saúde individuais e consequentemente inviabiliza a venda, acaba por estimular as pessoas a cometerem irregularidades, recorrendo a grupos coletivos para conseguirem contratar o plano”, disse. Em relação aos custos de internações e exames, ele afirma que levam vantagem as empresas que possuem rede própria, porque conseguem controlar custos e maximizar a utilização de recursos instalados. “Por isso, nesse mercado os níveis de lucratividade são baixíssimos”, disse.

Saponara reconhece que a fraude é um problema crônico no país. “O Brasil está entre os três países da América Latina onde mais se cometem fraudes, ao lado de México e Peru, sem contar a Venezuela que passa por uma situação crítica”, disse. A crise econômica é uma agravante no país por causa do desemprego que justifica, para algumas pessoas, a fraude cometida em nome da subsistência. Entretanto, os casos de corrupção no governo são um mau exemplo para a população. “Vários estudos indicam que nos governos corruptos a população enxerga como normal e aceitável a corrupção. Mas, o Brasil está vivendo um processo de transformação desse tipo de cultura e isso é muito benéfico”, disse.

Entrevista: Pedro Roncarati | Edição: Márcia Alves